Ernestto Carriço
Rodrigo perdeu um motor para os piratas, cujos barcos são bem ‘surrados’
Piratas roubam barcos atracados na Urca e mudam rotina nas madrugadas do Rio
Eles chegam com os motores desligados, navegando pelos trechos escuros das praias da Urca. A má conservação dos barcos é uma das características de distinção, além do espaço vazio no lugar de uma bandeira ou nome no convés. Vestidos em trapos, mesmo passando quase despercebidos, são conhecidos pelas ameaças e pelos roubos. Por esses motivos, eles são chamados entre os locais como os ‘piratas da Baía de Guanabara’, no ano que o cartão-postal será palco da Olimpíada.
Os relatos começaram na segunda metade do ano passado. Segundo barqueiros ouvidos pela reportagem, a estratégia de abordagem é sempre a mesma. Aproveitando o pouco movimento noturno, os piratas vêm em busca de motores, equipamentos náuticos e pertences pessoais. De julho a dezembro de 2015, proprietários de embarcações estimam que houve pelo menos 20 vítimas, sem contar aquelas que chegaram a tempo de frustrar a ação.
O piloto de avião Breno Maffei, de 40 anos, é um dos poucos que estiveram frente a frente com eles. O grupo não esperava que ele dormisse embarcado. “Acordei e senti um barulho forte de coisa quebrando. Achei que era outro barco batendo no meu. Abri a tampa e deparei com três indivíduos”, conta. “Eles disseram que iam atirar em mim. Mas, no calor do momento, a minha reação foi pegar uma alavanca, fazendo barulho, e eles fugiram. A gente perdeu a tranquilidade”, afirma.
Correntes, cabos de aço e trancas reforçadas fazem parte do investimento que o mergulhador Rodrigo Ferreira, de 37 anos, teve que fazer para se proteger da quadrilha. “Roubaram o meu motor e menos de um mês depois levaram o de um amigo. A sensação atual é de insegurança, porque vira e mexe a gente vê barcos circulando de madrugada. Eles são bem surrados, a gente suspeita que venham de outras partes da Baía, como a Ilha do Governador”, sugere.
O Clube Guanabara, onde estão atracados barcos com valor de mercado maior que R$ 50 mil, também foi invadido pelo grupo. “Aconteceu três vezes. Levaram um bote e um motor de embarcação e invadiram um veleiro onde o proprietário estava a bordo, levando o tanque do motor. No mar, não temos apoio nenhum”, disse Edison Silva, gerente do Guanabara, além de ressaltar que o clube teve que contratar seguranças particulares.
Todos os personagens ouvidos pela reportagem afirmam que fizeram registro na delegacia após os roubos. A Polícia Civil confirma que há pelo menos um registro na 10ª DP (Botafogo) entre o período citado no início da matéria, mas não informa se há investigação em curso.
Ernesto Carriço
Ao contrário das embarcações atracadas na Urca, barcos usados pelos ladrões não têm nome e estão malconservados. Abordagem é sem motor
A Polícia Militar alega que foi feita uma reunião, no fim do ano passado, com representantes do Clube Guanabara para reforçar o policiamento na área. A Marinha do Brasil, através da Capitania dos Portos, não respondeu às demandas feitas pela reportagem.
O antigo problema da poluição
A ação dos piratas está longe de ser a única preocupação para os barqueiros da Baía. “O esgoto é jogado na Praia de Botafogo toda noite. O odor fica impraticável”, relatou o morador da Urca Ricardo Santos, de 54 anos.
Na última quarta-feira, pescadores foram surpreendidos com uma grande quantidade de peixes mortos na altura da Ilha do Governador. “É bom lembrar que há três anos se verifica alta mortandade de espécies, e nada foi feito”, lembrou o biólogo Mário Moscatelli.
Ernesto Carriço
Após o começo da série de roubos, moradores reforçaram seus barcos com correntes e cabos de aço
Perigo na Olimpíada
Com os piratas à solta pela Baía de Guanabara, a chegada da Olimpíada é uma preocupação para aqueles que conhecem a Urca. “Pode ter certeza de que vai ter muita embarcação por aqui durante os Jogos. Aconselho a não deixar o motor à mostra, guardar o bote no espaço interno e retirar qualquer objeto de valor”, recomenda Breno Maffei, que mora embarcado.
A plataforma aquática do mergulhador João Carlos, de 71 anos, fica a poucos metros da entrada da Fortaleza de São João, área controlada pelo Exército. “A fortaleza tem um holofote, mas os militares dizem que não se metem nisso, porque do portão para fora não é problema deles. Já a PM na cabine na entrada da Urca alega que não podem fazer nada porque é área marítima. É um jogo de empurra”, denuncia o entrevistado.
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