domingo, 8 de março de 2015

FAZENDO FARINHA...



A FARINHADA NAS FREGUESIAS E
ARRAIAIS DA ILHA DE SANTA CATARINA

por José Luiz Sardá


No início das décadas do século passado entre maio a outubro, era época das farinhadas. Uma cultura antiga e tradicional trazida do povo açoriano na fabricação da farinha de mandioca. Naquela época havia muitos engenhos de farinhas nas freguesias de São João do Rio Vermelho, Ingleses, Canasvieiras, Ratones, Santo Antonio de Lisboa, Lagoa da Conceição, Ribeirão da Ilha, nos arraiais da Ilha de Santa Catarina e do continente. Os donos dos engenhos eram de famílias tradicionais do lugar, lavradores abastados e proprietários de vastas roças de mandioca.

A construção era rústica, com parede feitas de pau a pique barreadas, coberto de folhas de tiririca ou de taboa, mais tarde foram substituídos por telhas coloniais. As aberturas tinham pequenas janelas e duas largas portas, uma na frente e outra nos fundos. Geralmente eram construídos na beira de caminhos e trilhas, em locais de pastagem, próximos aos córregos, rios ou cachoeiras, longe das casas e as acomodações ofereciam o mínimo de conforto, em dois espaços: sala e quarto assoalhados para que as famílias pudessem alojar-se confortavelmente durante os longos dias de farinhada. Era de chão batido e amplo, onde ficavam instalados as engenhocas, as barricas, o cocho, o fuso, a prensa, a sevadeira, a fornalha e outros acessórios.

Para a farinhada vinham parentes de outros arraiais. As famílias de lavradores que não se dedicavam à pesca se mudavam para os inúmeros engenhos distribuídos pelas freguesias e arraiais. As que se dedicavam à pesca deixavam a farinhada para depois da safra da tainha. Havia parceria entre os donos dos engenhos e os lavradores mais pobres. O engenho era cedido para estes, desde que retribuíssem com alguns dias de serviços nas lavouras do dono do engenho.

Ao mesmo tempo em que as famílias dirigiam para o engenho, os carros de bois seguiam para as plantações de mandiocas junto às encostas dos morros. Nos mandiocais a colheita começava dos morros para a planície. As raízes eram sacudidas para tirar o excesso de terra e despejada em grandes balaios feitos de cipó ou de bambu. Eram levadas até um barraco improvisado construído sob as árvores, que servia como ponto de apoio e descanso. Geralmente este trabalho era feito nas primeiras e últimas horas do dia, evitando o calor excessivo do sol. Desde o amanhecer e ao por do sol, na correria de afazeres, essa gente simples e ordeira trabalhava incessantemente.

A carga de mandioca era transportada em grandes balaios e despejada num espaço reservado dentro do engenho para ser ralada. O processo de raspadura da mandioca era feito nas primeiras horas da manhã. Mães e filhas em volta das mandiocas agachavam-se em esteiras de taboas e tiriricas ou sentadas em bancos improvisados com cepos de madeira. Utilizavam pequenas facas e com rapidez e destreza faziam a raspadura da mandioca, que depois de ralada, era prensada, peneirada e levada ao forno para secar.

As raparigas com mãos hábeis peneiravam nas gamelas massas de beijus e cuscuz que eram colocadas entre folhas de bananeiras e levadas ao forno. A massa era distribuída sobre a chapa quente e em seguida recolhiam os primeiros beijus torrados que eram arrumados em pequenos cestos de bambu. Na colheita do café, do algodão e da mandioca se empregava o trabalho das mulheres, e os demais trabalhos eram dentro das casas, como: fiação do gravatá, do algodão, do linho, bordados, crivos, rendas de bilros e almofadas, tecelagens entre outros artesanatos.

Os rapazes trabalhavam na extração das grossas raízes de mandiocas e com os serviços internos no engenho, ora cuidando dos carros e da troca dos bois e da prensa, sovando, cuidado dos tipitis ou forneando. O forneiro com muito esmero cuidava da fornalha e sempre ficava envolvido pela nuvem branca de polvilho e pelo aroma, de pronto sabia quando a fornada estava no ponto.

O final da farinhada, resultava em vários alqueires de farinha torrada, polvilhada e alva de excelente qualidade. Do polvilho, faziam-se saborosas roscas e broas. Parte da produção era separada e guardada para o consumo das famílias, outra parte era comercializada para diversas cidades do Brasil.

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