Antigas superstições e novas tecnologias ajudam a monitorar o tempo
Mesmo com as frequentes mudanças climáticas, é difícil ser pego de surpresa hoje em dia
Hyury Potter FLORIANÓPOLIS |
Aprendi com meu pai que, se a nuvem for rabo de galo, vai ter vento sul”, conta José Generoso da Silva, 69, mais conhecido como Seu Zeca no canto sul da praia dos Ingleses, em Florianópolis. Nem sempre o golpe de vista desse pescador foi certeiro. Nesses dias, o jeito era se virar com o tempo ruim em pleno mar, às vezes tendo que voltar para casa com o barco vazio. Há alguns anos, esse manezinho se rendeu aos dados precisos – ou quase isso – das previsões meteorológicas que podem ser consultadas na internet ou nos telejornais.
Foto Flávio Tin/ND
O pescador Zeca conta que quando começou, o pai dele olhava para as nuvens no horizonte e depois reparava na condição do vento antes de sair para a pescaria
São dados coletados em milhares de estações meteorológicas espalhadas pelo mundo, processados por computadores e especialistas, e que depois vão parar na tela do smartphone, do tablet, do computador ou da televisão. Com essas informações, a equipe do Ciram (Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina) prepara o primeiro aplicativo catarinense de previsão do tempo, que deve ser lançado até fevereiro de 2014.
Pescador “toda a vida”, Seu Zeca começou a trabalhar ainda garoto, aos 12 anos, na praia dos Ingleses. Ajudava o pai, Euclides, a arrumar o barco e as redes, e ainda aproveitava para aprender sobre a profissão que exerceria nos anos seguintes. “Quando comecei, não tinha tanta tecnologia para prever o tempo. Lembro que meu pai olhava para as nuvens no horizonte e depois reparava na condição do vento”, conta.
Depois de tantos anos, a maneira de pescar continua a mesma, inclusive o barco batizado de “Nossa Senhora do Mar”, que está há quase 40 anos com esse manezinho nascido e criado nos Ingleses. Mesmo assim, ele ainda olha para as nuvens, por precaução. “Vejo o telejornal de noite para saber a previsão do tempo no dia seguinte. Também peço para o meu filho ver na internet se vai ter tempo bom. Além disso, olho para ver se tem alguma nuvem rabo de galo no céu. Só por garantia. Afinal, os meteorologistas também erram”, brinca.
Bons negócios
O dia começa com céu azul e poucas nuvens. No meio de tarde, tudo fica cinza e um temporal cai sobre a cidade. Se essa característica do verão, mas que também ocorre na primavera, como agora, é um problema para muitos moradores de Florianópolis, para outros é sinônimo de bons negócios. Trabalhando há 26 anos no centro da cidade, ao lado do Mercado Público, o ambulante Donizete "Maradona" Ribeiro, 48, garante que chega a vender mais de 40 guarda-chuvas num dia de tempo ruim. Mas ele explica que a chuva tem que cair na medida certa. “Se a água for muito forte, as pessoas se abrigam em algum lugar. Então, a chuva tem que ser fininha, para que todo mundo ainda possa caminhar na rua com um guarda-chuva ou capa”, detalha.
Se o dia for de sol, Maradona comercializa relógios e joias de pequeno valor. Para saber se o dia pode ser de lucro, ele checa a previsão nos telejornais e num ponto bem conhecido do Continente. “Se estiver cinza em cima do morro do Cambirela, pode apostar que vai chover. Então, vou no depósito que fica aqui perto e busco guarda-chuva e capa para vender”, relata.
Garantindo o sol na praia
No caso dos jovens, antigos hábitos para prever o tempo foram substituídos por alguns toques no smartphone. É assim que as amigas Larissa Camiansky, Ana Paula Góes e Sofia Lorena Urrutia, todas de 19 anos, marcam para aproveitar uma praia em dias de sol, por exemplo. “Às vezes dou uma olhada se tem estrela no céu na noite anterior. Mas nem sempre isso dá certo. O jeito é olhar o celular e também o céu”, garante a estudante Larissa.
Para a vendedora Ana Paula, confiar no aplicativo de previsão do tempo do celular para tentar se bronzear na praia já resultou em cilada. “É difícil o aplicativo errar. No entanto, teve um dia que dizia que ia ter sol, mas choveu tanto que fiquei a manhã toda numa barraca”, lembra.
Também adepta da tecnologia, a estudante Sofia não esquece de pedir a opinião do pai antes de sair. “Meu pai tem origem indígena e sabe prever bem quando vai chover ou não. Se o dia for bom, ele me avisa para a gente passear com os nossos cachorros”, revela.
Decifrando números em mais de 300 pontos
No maior centro de meteorologia de Santa Catarina, a Epagri/Ciram, as previsões não são feitas observando o céu por alguns minutos. Pelo contrário. Dados de mais de 300 postos de coleta em Santa Catarina e estados vizinhos, além de números de instituições nacionais e internacionais, são analisados por horas pela equipe do órgão. “Os dados chegam em números, que são traduzidos pelo computador e, depois, avaliados por nossos meteorologistas. É pura matemática e física”, informa o meteorologista Marcelo Martins.
Desde a chegada dos dados, passando pelo setor de tecnologia da informação do órgão até a análise dos meteorologistas e a disponibilização da informação para a população, se passam quase duas horas. Precipitação, altura, umidade e direção do vento são alguns dos itens essenciais para essa análise, que ainda é complicada na região. “Santa Catarina é o segundo estado do Brasil com maior número de estações meteorológicas. Só perde para São Paulo”, revela.
Os números que representam as condições climáticas em diversas regiões são recebidos, armazenados, traduzidos e encaminhados para os especialistas do tempo. Por dia, milhares de dados são processados pelo departamento de tecnologia da informação da Epagri/Ciram. “As estações nos enviam dados numéricos. O nosso trabalho é traduzir isso e repassar para a meteorologia”, explica Eduardo Lima, coordenador do setor de tecnologia de informação do órgão. E, mesmo com tanta informação, os especialistas não estão livres de situações bem comuns para a população. “Até meteorologista é surpreendido e pega chuva na rua por não estar protegido”, admite Marcelo.
Aplicativo catarinense
A população pode ter acesso ao resultado do trabalho da Epagri/Ciram pelo site http://ciram.epagri.sc.gov.br/. A partir de fevereiro do próximo ano, vai ser ainda mais fácil ter acessa à previsão do tempo feita pela instituição estadual com o aplicativo para tablets e smartphones. “Já temos um protótipo e estamos trabalhando em como ele vai funcionar. Ele será similar a outros aplicativos de previsão do tempo que já estão no mercado, mas será focado no nosso Estado. Ele estará disponível para os sistemas IOS e Android em janeiro ou fevereiro de 2014”, adianta Eduardo.
Para baixar aplicativos que já estão disponíveis
Clima tempo
O aplicativo do Clima tempo mostra as condições atuais e a previsão para os cinco dias seguintes, com divisões entre os períodos da manhã, da tarde e da noite. Nele é possível assistir a vídeos, ver imagens de satélite, a tábua de marés e as condições de funcionamento dos aeroportos, além de compartilhar fotos e notícias com outros usuários.
Disponível nos sistemas IOS e Android.
Preço: grátis
Tempo Agora
Informa as condições do tempo em mais de 10 mil cidades do mundo. O programa permite ainda visualizar notícias, vídeos e imagens de satélite, além das condições dos aeroportos.
Disponível nos sistemas IOS e Android.
Preço: grátis
Previsão que ajuda a salvar vidas
Na diretoria de prevenção de desastres da Secretaria de Estado da Defesa Civil, os dados sobre o tempo servem como ponto de partida para evitar a perda de vidas. “Para nós, não adianta apenas saber se vai chover ou não, mas onde. Por exemplo: se for num terreno inclinado, pode ocorrer um deslizamento de terra. Precisamos da maior quantidade de informação possível para fazer o planejamento de prevenção de desastre. No final, temos que saber se é preciso fazer um alerta para a população”, detalha o major Fabiano de Souza, diretor do departamento.
O histórico catarinense de tragédias provocadas pelo clima aumenta a responsabilidade da equipe da Defesa Civil. A ajuda para o resultado ser o mais preciso possível vem de vários lugares. “Temos parcerias com várias instituições, inclusive federais e internacionais. Além dos dados da Epagri/Ciram, temos um convênio com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), do governo federal, e alguns centros meteorológicos de outros países. Nos nossos boletins, também usamos dados geológicos e hidrológicos”, explica.
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