PRODUÇÃO DE MÁRCIO MARTINS APOSTA EM ALAIAS, LONGBOARDS E TAMBÉM EM OUTROS MODELOS RETRÔS.
FOTO: DIVULGAÇÃO
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Quando quebrou recordes da natação ao ganhar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1912, em Estocolmo (Suécia), o havaiano Duke Paoa Kahanamoku não imaginou que sua declaração a respeito do treino por meio do surfe expandiria o esporte a ponto de se tornar uma das modalidades mais conhecidas no planeta. Um século depois, deslizar sobre as ondas não é mais exclusividade de polinésios e havaianos, e o surfe atingiu um patamar que mudou radicalmente sua essência.
No final da década de 1950, os americanos Gordon Clark e Hobie Alter substituíram as antigas pranchas de madeira pelas feitas com poliuretano em combinação com resina – tecnologia que persiste até os dias atuais –, o que permitiu maior desenvoltura sobre as ondas. Se por um lado os novos materiais permitiram a evolução da técnica, por outro distanciaram os surfistas das origens da prática. Apesar da mudança radical, ainda há quem busque o resgate histórico nos dias atuais.
Desde que o americano Tom Wegener viu uma alaia (tábua fina, em tradução livre) – antiga prancha havaiana – em um museu e decidiu reproduzi-la, em meados da década passada, um movimento global de surfistas busca recuperar as raízes do esporte. “O surfe está muito tecnológico, com manobras acrobáticas. A alaia representa o surfe tradicional, de realmente deslizar na onda sem a preocupação com manobras”, contou Razmik Kiurkdjian, profissional do ramo de construções em madeira que já trabalhou com a produção de pranchas artesanais por alguns anos. Hoje, o filho de imigrantes armênios se dedica a outras ocupações, mas há uma gama de produtores em Florianópolis que focam na manufatura em madeira.
Márcio Martins, ex-surfista profissional, começou a elaborar pranchas de sandboard em 1994, foi além e, hoje, é dono da Tablaz, marca que, além de alaias, produz longboards, shapes de skate, remos de Stand Up Paddle e outros produtos em madeira. Por não possuir quilhas, as alaias se parecem com uma tábua de passar, pesam cerca de 3 kg e são mais difíceis de controlar, mas garantem uma experiência similar ao que era o esporte nos primórdios.
“O grau de dificuldade é muito maior, mas te aproxima mais da realidade do que era lá atrás. É bem diferente do surfe moderno, que busca a alta performance. Em uma alaia, (o surfista) vai tecer a linha da onda, o que o obriga a ter uma leitura diferenciada do mar ”, comentou Martins. O preço médio de uma prancha como esta gira em torno de R$ 1,5 mil por conta da "dedicação exigida e do material utilizado no processo de produção", mas não é preciso esperar semanas para conseguir um modelo, pois alguns estabelecimentos já trabalham com pronta entrega.
Resistência às pranchas de madeira
O ressurgimento das alaias abriu novas perspectivas para os shapers – designers de pranchas –, que passaram a apostar, também, em outros modelos retrôs. Na fábrica da Tablaz, uma parte do trabalho é dedicada para a manufatura de longboards em parceria com Felipe Siebert – shaper dono de marca própria –, que desenha o modelo das pranchas e envia para Martins tirar o projeto do papel e colocar na madeira.
“A ideia das pranchas clássicas é sempre um surfe mais clássico do que uma prancha de bloco de espuma. Toda história de produzir em madeira, no estilo retrô, veio a partir das alaias”, disse Martins. São produzidos cerca de 40 longboards com assinatura Siebert por ano, que custam entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil, mas o mercado em Florianópolis representa apenas uma pequena parcela das vendas.
Morador da Ilha há mais de 20 anos, Razmik Kiurkdjian acredita que as pranchas de madeira ainda encontram resistência entre os nativos. “Aqui o pessoal é pouco aberto a novidades. Apesar de serem modelos antigos de pranchas, hoje são novidade”, disse, antes de avaliar que outras regiões do país são mais propícias para a experimentação. “Elas (pranchas de madeira) são mais comuns no Rio de Janeiro e em São Paulo, estados que estão fazendo o caminho inverso de Santa Catarina, o caminho do resgate tecnológico”, comentou.
Preocupação ambiental
A substituição da madeira pela espuma de poliuretano, resina, fibra de vidro e outras substâncias não biodegradáveis na fabricação das pranchas, há mais de 50 anos, ocasionou um problema com o despejo de resíduos tóxicos na natureza quase sem nenhum controle. Nesse contexto, o resgate da manufatura em madeira tem, também, a preocupação em diminuir o impacto ambiental causado pelas sobras da produção dos equipamentos de surfe.
“Os resíduos deixados pela fabricação de uma prancha normal são muito nocivos. Há quem diga que tirar madeira das florestas também é um problema, mas a madeira é o material mais renovável – desde que não se dizime uma floreta inteira. Precisa ter consciência para tirar a madeira necessária e dar tempo para a floresta se renovar”, analisou Razmik Kiurkdjian.
A preocupação também está presente na fábrica de Márcio Martins, que procura utilizar o máximo possível de cada árvore derrubada. “A ideia é aproveitar a matéria-prima de maneira consciente e não produzir em grandes escalas. Além disso, toda a sobra a gente pode transformar em um novo produto em vez de descartar no meio ambiente”, disse.
Outras pranchas também garantem divertimento
A moda old school não é exclusividade do surf, e outras tábuas de madeira com desenhos clássicos fazem a cabeça de quem gosta de esportes radicais. No skate, o domínio dos shapes voltados para o street já não é absoluto e uma gama de modelos está à disposição dos amantes das rodinhas. Atento às novas tendências, Márcio Martins produz modelos longboards desde 1997, mas hoje engloba os mais diferentes tipos de skate – dos feitos para a velocidade aos que são utilizados como meio de transporte.
“São 50 modelos diferentes. Tem um direcionado para speed, que pode chegar a mais de 100 km por hora, e tem a linha Cruiser, que é para deslocamento. Tem também um long clássico, para dar um rolê mais surfstyle, pegar uma ladeira e curtir um slalom (descida em zigue-zague)”, comentou Martins, que, de tanto buscar o desenvolvimento de pranchas em madeira, descobriu outras maneiras de esculpir o material.
Sabe o famoso “jacaré”, aquele surfe de peito nas ondas? Pois então, ele pode ser feito com o auxílio de uma prancha chamada handplane. Essas pequenas tábuas de madeira, que custam cerca de R$ 250,00, foram criadas no Havaí para auxiliar o nadador na hora de descer a onda, mas já fazem bastante sucesso no Brasil. “Com ele, é mais fácil entrar na onda e permanecer por mais tempo, além de permitir algumas manobrinhas”, disse Martins. Seja na água ou no asfalto, há sempre uma tábua de madeira que pode garantir sua diversão.
(Do Notícias do Dia - http://ndonline.com.br/)
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