Foto Fernando Alexandre |
"Não somos contra a pesca, somos contra a pesca burra", diz pesquisador
Jules Soto, curador do Museu Oceanográfico da Univali, comenta sobre a lista de espécies ameaçadas do Ministério do Meio Ambiente
Victor Pereira
victor.pereira@diario.com.br
Professor, pesquisador e curador do Museu Oceanográfico da Univali, Jules Soto admite que a medida do Ministério do Meio Ambiente é drástica ao setor pesqueiro, mas considera que, após anos de omissão do Estado, a proposta foi a única possível neste momento.
O próprio pesquisador participou das discussões e da elaboração da lista com as espécies ameaçadas, que ele não considera radical, mas simplesmente real. Para Soto, a solução agora é buscar alternativas para a sobrevivência da pesca, que estaria em risco com ou sem normativas federais.
Confira a entrevista:
Essa medida do Ministério do Meio Ambiente não é muito radical com o setor pesqueiro?
Não é radical, é real. É uma lista construída com base em dados científicos, feita por dezenas de pesquisadores de diversos Estados e das mais variadas áreas. Eu acompanhei e participei de etapas desta lista. Não foi um devaneio, foi uma análise em conjunto. Existem dados estatísticos comprovando que há espécies ameaçadas já em colapso ou que estão entrando em colapso. Não é imaginação, é fato. Há décadas se pescava toneladas de determinados peixes em poucos dias, e hoje se pega dois ou três exemplares em uma semana de pesca. E não estou usando força de expressão.
Não havia uma alternativa que minimizasse o impacto da proibição aos pescadores?
O problema não é a lista, não é o pescador e não é o pesquisador. O problema é a falta de ordenamento pesqueiro que ocorre há décadas. Agora com medidas de choque tenta se ordenar o setor, o que eu não acredito que aconteça. O Estado devia ter agido muito antes, mas neste momento não tinha outra coisa a se fazer. No momento que se denuncia que uma espécie está ameaçada de extinção, o Ministério Público toma atitudes e os órgãos ambientais precisam seguir a legislação. A forma que se pesca aqui não pode continuar. Isso não existe em qualquer país que tenha responsabilidade com a pesca. O Estado é incompetente, o pescador foi mal orientado e pouco alertado, mas o mais importante de tudo é o recurso. Nossa função é proteger o recurso e não podemos permitir que esse tipo de pesca continue ocorrendo, mesmo que isso afete a vida de algumas pessoas.
O que deveria ter sido feito para evitar a atual situação?
Em um país sério, quando determinado recurso está entrando em colapso, o Estado ajuda a buscar alternativas gradativas para aquele setor. O Japão é um exemplo, lá pouquíssimas pessoas pescam próximo da costa do país. A maioria pesca fora, nos oceanos Índico e Atlântico, porque o Estado financia a construção de navios, incentiva os pescadores. No Brasil, o Estado é irresponsável em relação a pesca, e agora de uma hora pra outra o pescador se torna marginal. O Estado está agindo de forma tardia e sem ver alternativas para a indústria pesqueira.
Com ou sem medidas proibindo a pesca de determinadas espécies, o setor caminha para um colapso total?
Salvo raras exceções nos últimos anos, a pesca vem decaindo e com ou sem lista, já ia enfrentar sérios problemas no futuro. A tendência é parar de pescar. Um erro muito sério do pescador é acreditar que o problema é o pesquisador. Um erro muito sério do pesquisador é achar que o problema é o pescador. O culpado disso tudo é o Estado. O recurso natural não tem um dono, ele é da população brasileira e é apenas gerenciado pelo Estado, que só quer cobrar impostos e é incompetente com a pesca e com muitos outros setores do país. Não somos contra a pesca, somos contra a pesca burra. Contra a pesca que não tem futuro para os próprios pescadores.
(Do DIÁRIO CATARINENSE - www.clicrbs.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário