Engenheiro foi sequestrado por piratas e escapou por duas vezes. O nigeriano trabalha a bordo de navios há 25 anos.
Nigeriano sequestrado por piratas escapa duas vezes
Em 2010, Kings Nehemiah Okoye foi sequestrado na costa da Nigéria quando trabalhava para a companhia Shell. Quase dois anos depois, foi sequestrado novamente, na costa do Paquistão, por piratas da Somália.
Em depoimento para a rede BBC, o nigeriano conta sua história de sobrevivência. Acompanhe abaixo o depoimento de Kings Okoye.
“Fui atacado pela primeira vez no dia 1º de outubro de 2010. Piratas nigerianos mataram os 16 militares que escoltavam nossa embarcação, subiram no barco, roubaram tudo o que tínhamos e destruíram o que restou.
Eles levaram o navio para a Nigéria e nos levaram para a floresta, onde ficamos durante quatro dias. Eles nos espancaram e fizeram com que deitássemos no chão. Depois, marcharam sobre nossos corpos. Disseram que não tinham vindo para nos matar, apenas para pegar nosso petróleo. Depois de extrair todo o diesel do nosso navio, foram embora. Eu estava livre.
Menos de dois anos mais tarde, fui atacado novamente. Desta voz, por piratas da Somália”.
Sequestro no Paquistão
“Foi no dia 28 de fevereiro de 2012. Eu estava a bordo de um navio-tanque transportando substâncias químicas, a cerca de 150 km da costa do Paquistão.
Foi tudo muito rápido. Eu estava na casa das máquinas quando 12 homens subiram a bordo com uma escada. Atiravam para toda parte e nos obrigaram a levar o navio para a costa da Somália. Levou seis dias.
Assim que chegamos à Somália, os piratas nos pediram para entrar em contato o dono do navio. Começaram as negociações para o pagamento do resgate.
Ficamos presos no barco por mais de um ano. Os piratas tinham um negociador chamado Mursal, que vinha do Quênia para o navio cerca de uma vez por mês. Eu ajudei a negociar em nome da companhia porque o dono do navio era nigeriano.
Pediram US$ 25 milhões, mas o dono do navio disse que não tinha esse dinheiro. No final, acho que acabaram fechando em US$ 1,5 milhão.
Inicialmente, fomos mantidos na ponte de comando, mas após a morte do engenheiro – um nigeriano de quem eu era muito amigo – fomos levados para outra área do navio.
Os piratas eram muito violentos. Às vezes, me amarravam como um cabrito. Às vezes me batiam até eu perder a consciência. “Vamos bater nesse homem porque ele é nigeriano”, diziam. “Se batermos nele, vai contar ao dono do navio e ele vai pagar o resgate”. Eles não batiam nos tripulantes indianos, bengaleses ou paquistaneses.
Trouxeram vários tipos de armas para o navio – um verdadeiro arsenal. Obrigaram-me a soldar algumas das armas na embarcação, atiravam contra qualquer barco que se aproximasse.
Quando faziam isso, ordenavam que fôssemos nos deitar no chão das cabines, para não sermos atingidos por balas perdidas. Quando achavam que outro grupo pirata estava planejando um ataque, ou que havia alguma patrulha naval na área, nos obrigavam a mudar a posição do navio. Fazíamos isso à noite.
Após cerca de dois meses, muitos dos reféns ficaram doentes, então os piratas chamaram um médico. Ele veio de longe. Não sei de que país, mas falava apenas árabe. Nos examinou, deu remédios aos doentes. Me disse que minha pressão estava alta, o que não me surpreendeu.
O médico não foi o único estrangeiro a visitar o navio. A cada dois meses, outros vinham em barcos pequenos, de países árabes, para nos trazer comida. Os piratas disseram que tinham contratos com essas pessoas. Quando recebessem o dinheiro do resgate, pagariam o que deviam.
Comida era um problema para mim. Os piratas não tinham comida nigeriana, só arroz e farinha. Os reféns asiáticos estavam acostumados com essa dieta, mas eu não. Os piratas nos disseram para ser muito, muito cuidadosos com a comida, porque não havia muita. Caso contrário, passaríamos fome”.
Comunicação com a família escondida
“Um tripulante jovem, indiano, foi esperto e conseguiu esconder seu celular dos piratas. Um dia, encontrou um cartão SIM que o cozinheiro pirata tinha perdido. Colocamos o cartão no celular do tripulante e, durante um período, conseguimos nos comunicar com nossas famílias.
Mas foi difícil para mim, porque quando contei à minha esposa o que tinha acontecido, ela ficou doente e teve de ser hospitalizada.
Eu não conseguia pensar normalmente enquanto estava preso. A única coisa que me dava conforto e coragem era minha Bíblia, mas os piratas, que eram muçulmanos, odiavam me ver lendo a Bíblia.
O mesmo acontecia quando eu tentava falar com eles. Não falavam inglês e quando eu dizia “Bom Dia”, achavam que eu os estava insultando, então, decidi me comunicar apenas com gestos da mão.
Tinha sido diferente com os piratas nigerianos porque pelo menos falávamos a mesma língua.
Cheguei a pensar em me matar, em me jogar no mar e morrer afogado.
Às vezes, os piratas me davam a folha com propriedades narcóticas Khat, que eles gostavam de mastigar. Nessas ocasiões eu me esquecia de mim mesmo. Era como se não estivesse mais amarrado, conseguia até rir junto com os piratas.
Às vezes, havia até 60 piratas a bordo daquele navio”.
O dia da liberdade
“O dia em que fui libertado foi maravilhoso. Foi em torno de 9 horas da noite.
‘Podem ligar os motores e partir. Vocês estão livres’, nos disseram. Não podíamos comer de tanta felicidade. Depois de 13 meses de cativeiro, até respirar ao ar livre era difícil.
Quando finalmente cheguei à minha casa em Port Harcourt, na Nigéria, houve uma festa dos sobreviventes. Meus amigos e minha família estavam jubilantes mas eu não conseguia me sentir feliz porque ficava pensando no meu grande amigo, o engenheiro que tinha morrido no navio. Pensava na família dele.
Depois de ser libertado, encontrei um dos piratas no Facebook. Seu nome era Mohamed. Escrevi para ele, aconselhando-o a mudar de vida. Ele nunca respondeu.
Os piratas somalis fazem o que fazem em parte por causa da pobreza em seu país. Mas a pobreza não explica o grau de violência que os sequestradores usaram. É que eles nunca foram à escola, nunca sequer ouviram falar de escolas. Então, eram como animais. Uma pessoa educada seria capaz de se colocar na posição da outra e não agiria da forma como eles agiram. Mas esses piratas não pensavam assim porque vêm lutando há gerações.
Não consegui trabalho desde que fui libertado, em março de 2014. Tenho 14 meses de salário para receber mas o dono do navio não pagou o que me deve. Indenização? Nem se fale. Está difícil de sobreviver. Minha família quer que eu deixe de ir para o mar mas estou procurando trabalho como engenheiro marítimo. Eu gosto de trabalhar no mar, não consigo evitar.”
( Do Mar Sem Fim)
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