A FARINHADA NAS FREGUESIAS E ARRAIAIS DA ILHA DE SC.
José Luiz Sardá
Virgílio Várzea cita no livro Santa Catarina: a Ilha 1900 que “Na véspera, o carro ou os carros — porque os proprietários às vezes dispõem de dois ou de três, conforme suas posses e haveres — ocupam-se exclusivamente na condução da criação, pequena mobília e utensílios caseiros indispensáveis ao conforto, à lida propriamente doméstica e à do engenho, carregando igualmente os mantimentos necessários à família para uma estada de um a dois meses. Semanas antes, esses mesmos veículos têm acarretado do campo, em carradas seguidas, a lenha que terão de consumir fogão e o forno durante esse tempo, a qual é disposta em montões, ao fundo do terreiro, sob os cafeeiros e laranjeiras. O edifício do engenho que, como de costume quando não está em serviço, serve de celeiro ao café, ao feijão, ao milho, ao amendoim e ao arroz, se acha completamente desimpedido e arrumado, com todo o aparelho e acessórios prontos para a faina da mandioca, bem como a parte onde assentam as salas e demais cômodos reservados à família”.
No início das décadas do século passado de maio a outubro, acontecia as farinhadas. Uma cultura antiga e tradicional do povo açoriano na fabricação da farinha de mandioca. Nesta época havia muitos engenhos de farinhas nas freguesias de São João do Rio Vermelho, Ingleses, Canasvieiras, Ratones, Santo Antonio de Lisboa, Lagoa da Conceição e Ribeirão da Ilha e pequenos arraiais. O plantio e a colheita da mandioca naquele tempo era farta. Os proprietários dos engenhos de farinha eram nativos e de famílias tradicionais, lavradores abastados e donos de vastas roças de mandiocas. Para construir esses engenhos era preciso dispor de um bom capital. Depois que os donos dos engenhos terminassem a labuta da farinhada, os lavradores mais pobres podiam utilizar estes engenhos, desde que retribuíssem com alguns dias de serviços nas lavouras dos donos destes.
A construção era simples e rústica, feitas de parede de pau a pique barreadas e coberto de folhas de tiririca ou de taboa, muito comum nas áreas alagadas. A arquitetura na maioria deles, com pequenas janelas e duas largas portas de saída, uma à frente e outra aos fundos. Localizados sempre a beira dos caminhos e estradas, com pastagem para os animais, próximos aos córregos, rios ou cachoeiras. Estes engenhos na maioria estavam distribuídos nas diversas freguesias e distantes das casas, razão pela qual as acomodações destes ofereciam o mínimo conforto para que as famílias pudessem usufruir e alojar-se durante os longos períodos das farinhadas. Eram divididos em dois espaços: salas, quartos e assoalhados e o outro amplo de chão batido destinado ao aparelho e engenhocas, como: barricas, cocho, fuso, prensa, sevadeira, fornalha e demais acessórios.
Em maio emigravam-se aos engenhos as primeiras famílias de lavradores e proprietários que não possuíam redes. As que possuíam começavam a farinhada depois da safra da tainha. Desta forma dividiam incessantemente as lidas e afazeres nos engenhos e nos ranchos para a pesca da tainha, desde o nascer e ao por do sol. Nesta correria de afazeres, essa gente simples e ordeira trabalhava e se divertia muito. Alqueires de mandioca eram reduzidos a uma excelente farinha torrada e alva, cuscuz, beijus e com o polvilho fazia-se saborosas roscas e broas. Eram separadas e guardadas para o consumo das famílias e na ausência da farinha de trigo, a de mandioca era utilizada para fazer o pão.
Pela altíssima qualidade, sabor e padrão a farinha de mandioca e polvilhada, a sua produção era comercializada, inclusive para diversas cidades do Brasil. Para a farinhada vinha gente de outros arraiais e parentes próximos das famílias. As raparigas com mãos hábeis peneiravam nas gamelas massas de beijus que eram colocadas entre folhas de bananeiras e levadas ao forno. A massa era distribuída sobre a chapa quente e em seguida recolhiam os primeiros beijus torrados que eram arrumados em pequenos cestos de bambu. As brincadeiras, algazarras e as conversas dos rapazes eram uma constante. Ora estavam acarretando a mandioca, cuidado do gado, cevando ou forneando.
Ao mesmo tempo em que as famílias dirigiam para o engenho, os carros de bois seguiam para as plantações de mandiocas junto às encostas dos morros. Grupos de rapazes trabalhavam na extração das grossas raízes de mandiocas, outro se ocupava com os serviços internos no engenho cuidando dos carros e da troca dos bois, da prensa, sovando, dos tipitis, carreiros e o forneiro. O forneiro estava sempre envolvido pela nuvem branca de polvilho e com esmero cuidava da fornalha, pelo aroma, de pronto sabia e conhecia quando a fornada estava no ponto. Sabendo com detalhes todo o processo da fabricação da farinha.
Ao longo dos meses fazia-se um revezamento evitando a fadiga, a rotina e o desgaste físico. Nos mandiocais a colheita começava dos morros para a planície. Para extrair a raiz pegava-se a rama com as mãos, depois era sacudida para tirar o excesso de terra e quebrando-as pelas pontas era despejada em grandes balaios feitos de cipó ou de bambu. Cheios eram levados até um barraco de palha improvisado construído sob as árvores, que servia como ponto de apoio e descanso. Geralmente este trabalho era feito nas primeiras e últimas horas do dia, evitando o calor excessivo do sol.
O processo de raspadura da mandioca era feito nas primeiras horas da manhã. Na continuidade da lida a carga de mandioca era transportada em grandes balaios a um espaço reservado dentro do engenho e próximo ao rústico aparelho, onde as raízes eram despejadas. Tanto a colheita do café, do algodão e da mandioca se empregava o trabalho das mulheres e os demais trabalhos feitos por elas eram dentro das casas, como fazer a fiação do gravatá, do algodão, do linho, os bordados, as rendas de bilros e almofadas, os crivos, as tecelagens e entre outros artesanatos.
Mães e filhas em volta das mandiocas agachavam-se em esteiras de taboas e tiriricas ou sentadas em bancos improvisados com cepos de madeira. Utilizavam pequenas facas e com rapidez e destreza faziam a raspadura da mandioca, posteriormente era ralada, prensada, peneirada e depois levada ao forno para secar. Ao mesmo tempo, o sovador transportava nos balaios as mandiocas raladas para o cocho do escorredor ao ralador. Todo esse trabalho era feito com muita alegria, em conversas corriqueiras, falas graciosas e sonoras gargalhadas das mulheres.
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