No blog "Lusopresse", editado no Canadá, em língua portuguesa!
ou então somente o texto, escrito originalmente em inglês e traduzido pelo jornalista e poeta
Por Richard Simas!
Tainha na rede, Pântano do Sul, Ilha de Santa Catarina, Brasil.
e ele colhe peixes na garganta
do sol
do sal
do vento
(Osmar Pisani)
Na madrugada, uma calma enganadora reina nesta praia de pescadores. Esperam a chegada da tainha. “Precisa de vento e ar mais frio,” disse alguém um dia antes. “Estão chegando,” murmura um velho, imóvel, olhos fixados no mar.
Um estrangeiro como eu não reparanos sinais de antecipação: o barco,as redes preparados, os vigílias posicionados em cima das dunas observando a superfície azul-cinzenta do mar. Antes da chegada dos europeus no século 15, os povos indígenas têm pescado a tainha nas águas do sul atlântico até argentina. Peixe de água doce e salgada, a tainha migra em direção ao norte para desovar em águas mais quentes. Durante algumas semanas do mês de maio nesta região do Brasil fortemente influenciada pela imigração açoriana, a pesca da tainha permanece uma tradição venerada e comunitária.
O vento muda durante a noite. A temperatura cai e sobe novamente. Do mar, vem a chuva dando palmadinhas nas telhas, lavando as margens da mata ao redor do Pântano.Cheiro de umidadeno ar. A freguesia parece ainda dormir.
De repente, dois jovens disparam à toda velocidade de uma extremidade da praia, gritando um alerta. O som se múltipla nos cantos da freguesia, espalhando como fogo num campo seco. A população chega apressada na beira do mar. OOsmarina, um barco elegante de sete metros com proa curvada, surge do seu abrigo, empurrado na areia por homens. Rapidamente o barco é lançado no mar e as redes são posicionadas em água pouca profunda,formando uma meia circunferência. Dois homens seguem atrás do barco para guiar as cordas da rede até a praia. Os assistentes gritam e gesticulam cada um as suas ordens.
Após colocar as redes,Osmarina encontra novamente a praia. Outro grupo de assistentes se organiza ao lado do barco, mãos preparadas para puxar a corda. As boias brancas suportando a rede descrevem uma meia lua na superfície do mar. São trocados mais gritos de ordens e de instruções, mãos acenando, pessoas correndo e finalmente os dois grupos nas extremidades começam a puxar a rede.
O escritor e cronista de cultura popular, Fernando Alexander, se ocupado tainhanarede.blogspot.com,um referencia virtual sobre assuntos locais. Ele publicou também o excelente Dicionário Da Ilha, Falar & Falares da Ilha de Santa Catarina.Alexander me informa que barcos como o Osmarina se chamam canoa bordada e são construídos duma única árvore. Cinquenta pessoas estão envolvidas em cada barco para ajudar na pesca e são pagascom peixes pelo trabalho.Fernando comenta que a quantidade de tainha está diminuindo por causa da pesca industrial dos grandes barcos em águas profundas.
Durante gerações, canções e rituais ligados à pesca de tainha têm sobrevivido. Cada comunidade tem suas próprias versões. As fotografias nas paredes do restaurante legendário, o Arante, mostram cenas bíblicas da praia coberta da tainha. Fernando insiste sobre a importância docaráter artesanal e solidário da pesca e sobre o fatode quea sua celebração unifica a comunidade. A tainha, Fernando diz, é deliciosa assada na brasa, frita ou cozida notradicional feijão preto.
Enquanto os dois grupos se aproximam puxando a rede para a praia, os peixes saltam tentando escapar. Todos tentam adivinhar quantas tainhas foram capturadas.Estaé a primeira pesca de tainha da estação. Quando a rede está aberta e os peixes jogados em montes na areia, a quantidade fica menos impressionante do que nas cenas bíblicas nas paredes do restaurante. Arantinho, o dono do barco Osmarina, murmura “286” e parece decepcionado. Ele aponta o horizonte, dizendo “a maioria escapou naquela direção...”
As redes são recolhidas depois de lavadas no mar.Um caminhão frigoríficochegana praia para levar a pesca.Osmarinaé levado de volta para água e em seguidapuxadonovamente parapraia.É a hora dopequeno-almoço, mas a pesca de tainha só começa. Duas horas mais tarde gritam de novo os alertas e a população da freguesia chega rapidamente na praia para encenar o ritual mais uma vez. Capturam mais peixes desta vez e o trabalho acontece de maneira mais ordenada e calma. Antes do fim de dia,Osmarina lança suas redes mais trêsvezes e outro barco, o Mariposa,vem também pescar.
Eu troco o meu papel de observador para ajudara puxar as redes. Após a pesca, uma garrafa de cachaça, a bebida local, passa de mão-em-mão. Só após ter tomado um grande gole vejo a pequena serpente vermelha no fundo da garrafa. Cobra-cachaça está escrito na etiqueta.
A excitação e o ambiente de festa iluminaa face dos pescadores. Chegou do mar a abundância que liga todas as pessoas da freguesia. Elas voltaram para casa cada qual com a sua porção de tainha.
Richard Simas, 2014
richardsimas@netaxis.ca
fotos, Fernando Alexander, tainhanarede.blogspot.com.br
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