quinta-feira, 19 de junho de 2014

A PRIMEIRA TAINHA A GENTE NUNCA ESQUECE...


 "Dizem por aí que a primeira tainha a gente nunca esquece, mas o fato é que eu esqueci e, penso até, que foi por causa de não gostar muito delas, achando maravilhoso que apareçam nesses tempos de inverno, mas somente como aviso de que as anchovas vêm logo depois, ainda antes da primavera. 
Agora, se não lembro da primeira e nem de quantas comi nesses catorze anos 'ilhado', lembro bem das primeiras que limpei, ou melhor, governei, e isso devo ao fato não de ter sido uma experiência maravilhosa, mas sim de que foi há umas três semanas atrás.
Retornei à ilha junto com o começo da safra e com os primeiros cercos também no Pantusuli, numa verdadeira festa de fartura de peixes e até eu, que entendo tanto delas quanto de física quântica, recebi um quinhão, uma 'cabeçuda' de mais de um quilo, presente de um vizinho que me perguntou  "tu tens uma tainha para hoje?", e sem que desse tempo de resposta, me entregou uma das que mantinha presa no banco da moto,  isso já na Costa de Dentro.
 Acontece que estava a caminho do Pântano para buscar um daqueles pôr de sol perfeitos dos tempos de outono e ela foi passear novamente naquelas praias, retornando tarde da noite, diretamente para a geladeira, até aparecer melhor destino.
Como era tempo de fartura, havia mais duas esperando para serem apreciadas na geladeira do vizinho, e com isso juntamos os peixes e as fomes num chuvoso sábado a noite para o devido banquete.
 Maravilha, não fosse o fato de que elas, as rainhas da temporada, estavam inteiras, fechadas e sujas, e não escaladas, temperadas e assadas como de costume. E aí apareceu o problema, que o vizinho andava meio impossibilitado de consertar os peixes e não havia mais ninguém apto no local o que, por exclusão, jogou os três exemplares na minha mão, literalmente. 
Assim, de faca em punho, num primeiro passo de um tutorial ao vivo, fui orientado como cortar as nadadeiras para evitar ferimentos na mão, e de como retirar as escamas, passando o dorso da faca em sentido contrário ao alinhamento delas, ou seja, do rabo para a cabeça. Vencida a primeira etapa com êxito, modéstia a parte, passamos à segunda.
Foto Fernando Alexandre
Forçando a abertura entre o corpo e a cabeça, o próximo passo foi retirar as guelras, uns negócios vermelhos e esponjosos que ficam grudados lá dentro, num processo não muito fácil, mas que deu o resultado esperado. Depois, com a faca afiada, cortar a barriga dos peixes para retirar as entranhas, umas partes asquerosas e sanguinolentas compostas por fígado, moela e ovas, junto com outros órgãos  menores. E esses três peixes não tinham aquelas ovas muito apreciadas por todos, grandes e alaranjadas, mas uns negócios amarelo-claros parecidos a bananas moles, sem muito valor ou sabor, segundo os entendidos, e que foram descartadas junto com os restos.

Feito isso, chegamos  a uma manta de gordura protegida por uma pele escura e que precisava ser removida, num processo difícil de executar, o que atribuo aos peixes e não a minha falta de pratica no assunto. Com tudo aparentemente limpo, uma lavada em água corrente para retirar o sangue que restou, alguns cortes nas laterais, os lanhos,  para entrada dos temperos e, finalmente, um salzinho, uma boa dose de limão, e também uma farofinha de recheio antes de irem  ao forno.

A janta foi um banquete pela quantidade e qualidade dos peixes, mas da próxima vez que houver um 'lanço' lá na beira da praia, vou correr para algum dos restaurantes do Pântano e pedir uma tainha ou anchova fresquinha, devidamente preparada e com acompanhamentos, que dá bem menos trabalho."

           Leandro Dalla Santa  -Pântano do Sul, safra 2014 

(Leandro é de Novo Hamburgo, RS, morou 14 anos aqui na ilha e atualmente mora em João Pessoa)

Nenhum comentário: