Técnicos do Ministério da Pesca estudam novas regras para safra da tainha no litoral catarinense
Entre as propostas para proteger estoques e preservar pesca tradicional de arrastão de praia estão a ampliação do defeso para setor industrial e criação de zonas de exclusão
FLORIANÓPOLIS
A ampliação do período de defeso para o frota industrial é uma das alternativas para garantir a recuperação dos estoques e a preservação da tradicional pesca da tainha no litoral catarinense, a partir de 2015. Defendida pelos pescadores artesanais, a proposta ganha apoio de técnicos do Ministério da Pesca e Aquicultura, em Brasília, que estudam também a criação de zonas de exclusão, adoção de cota e redução do número de traineiras licenciadas.
Daniel Queiroz/ND
Primeiro cerco no Campeche em 2013 arrastou 2.000 tainhas
As medidas restritivas, segundo o biólogo Américo Turnes, são necessárias por causa da característica da pesca da tainha, licenciada exatamente durante o período de desova para reprodução. “Trata-se de uma espécie que atrai pela ova, iguaria consumida no mundo todo, o que torna preocupante”, confirma. Integrante do grupo de estudos da tainha, Turnes defende estudos mais aprofundados dos cardumes, principalmente no estuário da Lagoa dos Patos (RS), antes da adoção definitiva de novo ordenamento para o setor.
A preocupação dos técnicos do Ministério da Pesca, segundo ele, é preservar a prática centenária do cerco de arrasto de praia, com canoas de um pau só a remo, praticada em todo o litoral catarinense. “Há, inclusive, a possibilidade de serem baixadas normas específicas para a espécie, com licenciamento apenas para o setor artesanal e ampliação do defeso para os barcos industriais”, admite Turnes.
Neste caso, a sugestão do diretor de Pesca Industrial do Ministério, Mutuso Asano Filho, é transferir a frota para outras espécies com potencial econômico não ameaçadas pelo esforço excessivo de pesca. Entre estas espécies ele cita peixe sapo, carabineiro e cherne.
Técnicos sugerem defeso diferenciado
Entre os técnicos que integram o Grupo de Estudos da Tainha, em Brasília, é unânime o reconhecimento da importância cultural da pesca artesanal e da preservação dos tradicionais arrastões de praia. “Queremos preservar a história em Santa Catarina”, garante o secretário de Planejamento e Ordenamento do Ministério da Pesca, Flávio Bezerra da Silva.
O prazo para conclusão dos estudos, segundo o assessor jurídico do Ministério Eros Romão, foi prorrogado por 90 dias. Formado também por técnicos do Ministério do Meio Ambiente e por representantes dos pescadores artesanais e indústrias, o grupo deve concluir os trabalhos em junho, em plena safra de 2014, para mudar as regras somente a partir do ano que vem.
A prioridade neste momento, segundo Bezerra da Silva, é compartilhar ações como o Ministério do Meio Ambiente preservar os estoques e evitar conflitos nas comunidades pesqueiras do Estado. O secretário destaca, também, a importância da fiscalização do setor industrial por meio do Preps (Programa de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite), sistema obrigatório em traineiras com capacidade acima de 20 toneladas de carga.
Presidente da Federação dos Pescadores de Santa Catarina e representante da confederação nacional, Ivo Silva vê avanços importantes no grupo de estudos da tainha. Os artesanais, no entanto, sugerem mudanças já para esta safra e a proposta é a mesma do ano passado – antecipar a safra de 15 para 1º de maio e aumento das restrições à frota industrial.
Na Ilha, pescadores à espera dos cardumes
Na praia do Santinho, a 45 quilômetros do centro de Florianópolis, o último fim de semana de verão não foi bom apenas para surfistas e banhistas. Fora d’água, Jair Manoel da Rosa, 62, aproveitou o dia de sol para começar a reformar uma das quatro canoas a remo e remendar as redes de arrasto. A exemplo dos colegas da Colônia Z -11, ele não sabia das novas regras em estudos, em Brasília, para regulamentar a próxima safra de tainha, de maio a julho.
Rosane Lima/ND
No Santinho, Jair Manoel da Rosa já começou a reforma das canoas que vão para o mar a partir de maio
Capataz da maior parelha da praia, ele é responsável pela manutenção e conservação dos petrechos, que serão recadastrados pela Federação dos Pescadores de Santa Catarina para monitoramento da produção. Por determinação do GTT (Grupo Técnico da Tainha), todos os proprietários terão de apresentar documentação das embarcações licenciadas e dos pescadores profissionais regularizados junto ao Ministério da Pesca. Também terão de informar com exatidão a quantidade de peixes capturados.
De acordo com a determinação do Ministério, também serão recadastrados botes utilizados em cercos com redes de caça de malha, simples e anilhadas. A intenção, segundo o presidente da Federação dos Pescadores de Santa Catarina, Ivo Silva, é regulamentar a atividade no litoral catarinense, e impedir a atuação de pescadores não legalziados.
“Há resistência quanto às redes de caça de malha com argola e içadas aos barcos por pequenos guinchos instalados no convés”, explica Silva. Comuns em Ingleses, Barra da Lagoa, Armação e Pântano do Sul, são embarcações antigas, com capacidade para até 12 toneladas, em média, licenciadas para cercar a distâncias de 50 metros do costão, 800 metros da praia e no limite de três milhas náuticas.
Combate à ilegalidade para aumentar produção
Um dos desafios do diretor de Pesca Industrial do Ministério, Mutuso Asano Filho, é o combate à pesca ilegal. Dados da FAO (Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) apontam que apenas um quinto do pescado mundial seja legalizado. “A fiscalização mais intensa, por exemplo, permitirá que a produção no Brasil aumente consideravelmente, sem a necessidade de aumentar a captura”, explicou.
A prioridade é o combate à clandestinidade, segundo Asano Filho, que aposta no censo da produção pesqueira nacional para conter as atividades predatórias na costa brasileira. No caso específico da tainha, uma das alternativas é confrontar a produção declara aos ministérios da Pesca e do Meio Ambiente com a quantidade de ovas exportadas, com base nos dados disponibilizados ao Ministério de Comércio Exterior.
Outras ações de governo, como o limite de licenciamento para espécies potencialmente ameaçadas e controle de mercado, estão em fase final de estudos para implementação a partir da safra de 2014. Asano Filho destaca, também, a criação do selo de pesca legal. “É uma forma de garantia de procedência, que desestimula a clandestinidade e é garantia de qualidade ao consumidor”, argumenta.
A pesca não declarada, que ameaça a biodiversidade marinha, também afeta a sustentabilidade social e econômica. No Sul do Brasil, o esgotamento dos cardumes que migram anualmente da Lagoa dos Patos (RS), segundo Asano Filho, deve ser permanentemente monitorado para que a pesca excessiva não comprometa a proteção e recuperação dos estoques. “É preciso saber exatamente quanto sai de tainha dos estuários, quanto é capturado e quanto é desperdiçado durante o processo produtivo. É preciso aprofundar os estudos para preservar os estoques”, observa.
Modernização da frota reduz desperdício
A modernização da frota e dos petrechos utilizados pela frota industrial também são alternativas para aumentar a eficiência do setor pesqueiro nacional. Neste caso, o resultado imediato é a redução dos resíduos e captura de espécies acompanhantes.
Um dos exemplos é o que ocorreu com a frota sardinheira depois da adoção de porões alagados para levar a produção viva para a indústria de beneficiamento. “O produto com melhor aparência, bem manipulado durante o processo produtivo, agrega valor”, explica o diretor de Pesca Industrial.
Técnicos do Ministério da Pesca trabalham, também, na atualização anual das estatísticas e normas de ordenamento, com novas técnicas de manuseio. “Pelo menos 30% do desperdício, é resultado da falta de qualidade no manuseio a bordo das embarcações, tanto na captura como na estocagem”, diz Asano Filho.
Declínio da safra-SC
2006- 1.124 toneladas
2007 – 2.192 toneladas
2008- 923 toneladas
2009 – 1.198 toneladas
2010 – 780 toneladas
2011 – 617 – toneladas
2012 – 420 toneladas
2013 – 1.240 toneladas
Publicado em 17/03/14-14:00