Vento sul faz falta no calor sufocante da Ilha, onde predominam ventos quentes do quadrante norte
Pescadores preservam sabedoria popular para conviver com variedade climática de Florianópolis, e cientistas explicam efeitos na saúde e origem das dores nas articulações e fraturas
Edson Rosa FLORIANÓPOLIS |
Espécie de entidade na Ilha, o vento sul faz falta nestes dias dominados pelo nordeste e de calor sufocante. E tão cedo não soprará por estas bandas, bloqueado pelo sistema de alta pressão no Oceano Atlântico que impede a chegada da massa fria à região Sul. A explicação científica para o predomínio dos ventos do quadrante norte nesta época do ano é a posição geográfica de Florianópolis, mais próxima da Linha do Equador e, portanto, sob influência do ar quente.
Fernando Mendes/ND
Influência. O sopro que vem em direção nordeste tem influência do ar quente e impede a massa fria de chegar à região, como consequencia, deixa os dias dos florianopolitanos ainda mais sufocantes
“A alta pressão do Atlântico é quase fixa. Prevalecem os ventos sufocantes de verão”, observa o agrônomo Ronaldo Coutinho, do Climaterra. Os terrais – noroeste ou oeste – também comuns nesta época do ano, são, igualmente, quentes.
Na enseada do Pântano do Sul, o nordeste facilita a saída das embarcações até o encontro com mar aberto. Depois, a tripulação precisa de perícia para navegar com segurança. Lá, o sul entra forte e de frente e, dependendo da combinação com a lua, pode trazer ressacas.
Mesmo assim, Juvenal Manoel Martins, 75, o Dica, não vê a hora da mudança. “O vento sul refresca, e traz fartura. Com ele, vêm todos os tipos de peixes, tainha nem se fala”, garante.
Pescador desde a infância, quando a caça à baleia ainda era permitida naquelas águas, Aldo Corrêa de Souza, 73, é um dos veteranos que se refresca à tarde, sentado à sombra diante do galpão da Associação dos Pescadores da Armação. “No verão, este é o nosso vento”, diz.
Apesar de entrar forte e formar ondas, o nordeste não atrapalha botes usados na pescaria da lula ou no transporte de turistas à ilha do Campeche. Protegida pela ponta das Campanas e pelo morro do Matadeiro, a enseada recebe apenas resquícios do vento sul, ou um de seus colaterais.
Na Armação, a lestada com chuva e o nordeste aguacento são os maiores obstáculos à pesca. “É o cara de cachorro e o derruba paredes”, diz Aldo Corrêa, que nunca esteve na escola, mas conhece como poucos a rosa dos ventos: “Ela tem quatro cardeais, mais quatro colaterais e oito subcolaterais. E gira em 360 graus no sentido horário”, ensina.
Sinais escritos no céu
Acostumado desde menino a dormir embalado pelo barulho do mar, Dica conhece bem os sinais enviados com antecedência pelo vento sul. “Surgem nuvens rabo de galo, e se forma uma faixa branca no horizonte, para fora da ilhota dos Corais”, aponta. Ele também nunca estudou, mas sabe que o ciclo da natureza é infalível, e regula tudo – lua, ventos, gestação, agricultura e pesca. “O povo precisa reaprender a ler os sinais do céu”, diz.
Fernando Mendes/ND
Pescador desde pequeno, Juvenal Martins, o Dica, espera pelo pampeiro, observando o mar. Afinal, com ele vem os peixes, principalmente a tainha
Pescador que virou coveiro no Pântano, Jair Lapa, 53, também conhece as nuvens rabos de galo. Mas, quando olha para o céu vê o vento sul chegando de outra forma: bandos de urubus voam lentamente, plainando em círculos nas correntes de ar que se formam em grandes altitudes.
Aldo Corrêa percebe a mudança de vento também pelo comportamento das fragatas em voos entre a ilhota Moleques do Sul e a Lagoa do Peri. O Eco do ronco dos aviões em decolagem no aeroporto Hercílio Luz é outro vestígio de mudança para sul que não passa despercebido ao pescador, que ao navegar próximo à ilha do Campeche costuma avistar o morro do Cambirela ao longe. “Se tiver com coroa de nuvem, vem pampeiro por aí”, sorri.
OUTROS VENTOS
Oeste tem como variações o noroeste (mais comum) e o sudoeste, e costuma ocorrer à noite.
Sudoeste sopra quando há frente fria estacionária. Se houver nuvens a sudoeste, é sinal de chuva.
Há dois tipos de noroeste - para trovoada e para tempo bom. Começa de madrugada e dura cerca de 24 horas, característica associada ao tempo bom, pelo fato de esgazear e deixar o céu sem nuvens. Ocorre uma ou duas vezes por ano, no inverno. É um vento forte e frio que agita o mar nas baías norte e sul.
Calada podre: mormaço, sem vento, precede temporal.
Estiada do gado: quando o dia começa com chuva, por volta do meio-dia há uma estiada que permite recolher o gado do pasto.
Ditos
"Vento sul suja, vento sul limpa"
"Noroeste na costa, sul por resposta"
“Céu pedrento, sinal de vento”
“Toda mudança de lua traz vento sul a reboque”
Apelidos
Pampeiro: vento sul legítimo
Rebojo: viração para vento sul, às vezes com redemoinhos
Terral: Vem de sudoeste oeste, com sistema de alta pressão; é o minuano dos gaúchos
Norte prevalece para manter onda de calor
No verão, os ventos que predominam na Ilha são do quadrante norte, bem mais quentes. A origem deles é o anticiclone semifixo do Atlântico, posicionado a 20 graus de latitude, no meio do mar do sudeste brasileiro. “Giram no sentido antihorário e, deslocados sobre sistema de baixa pressão, são atraídos para o continente”, explica o geógrafo e meteorologista Maureci Monteiro, 57, da Fundagro (Fundação para Desenvolvimento da Agricultura Sustentável). “Como sistemas de baixa pressão estão mais ao Sul, na Ilha predomina o vento norte”, explica.
O relevo da cidade, dividida pelos maciços Central e da Cruz e pequenos vales, funciona como obstáculo natural. Em alguns casos, cria uma das posições colaterais ou intermediárias da rosa dos ventos. Quem mora no Alto Ribeirão da Ilha, por exemplo, protegido pela encosta do morro mais alto da Ilha (532 metros) e distante da costa, não sente o que é vento sul. “Lá, só entra de leste ou sudoeste”, confirma Monteiro, que cresceu e ainda mora no bairro.
A Lagoa da Conceição, cercada de morros, dunas e o canal ligado ao mar, é outro bairro com restrições ao pampeiro e variação diária de ventos, de acordo com os estudos da Fundagro. Mas, não é apenas a geografia o que determina intensidade e direção dos ventos, e a existência de locais abafados ao lado de outros bem mais ventilados.
Nas áreas urbanas, os prédios também são obstáculos à circulação do vento. “São pior que os morros”, diz Monteiro. Nestes casos, algumas ruas funcionam como corredores, como a Mauro Ramos, no centro de Florianópolis, que recebe em parte a brisa vinda do mar, de norte. Na outra ponta da avenida, só o vento sul ameniza o calor sufocante dos últimos dias.
Pressão reflete em dores físicas
O vento sul sai do Rio Grande, e o reumatismo já está doendo no Pântano. Considerado o “filósofo” da praia, Jair Lapa não perde a piada. Ele também sente nos ossos os efeitos da virada de tempo e a chegada da friagem, mas não sabia que por trás da brincadeira existe uma explicação científica para o resfriado inesperado e as dores nas articulações ou nas fraturas.
Considerado doentio no passado, o vento sul não merece a fama de mau. No caso de resfriados ou gripes, são consequências do choque térmico causado pela mudança repentina da temperatura. “Se está soprando vento quente e, de repente, muda para sul e esfria, há chances de doenças respiratórias”, confirma Monteiro.
Pacientes com cirurgias, principalmente ortopédicas, ou com doenças nas articulações – reumatismos, artrites e artroses, por exemplo - também sofrem. Muitas vezes,antes da chegada do vento sul. A causa é o aumento da pressão atmosférica sobre o corpo.
Oriundo do ar polar, o sul está relacionado a massas de alta pressão e a maiores latitudes. “Esta pressão é exercida também sobre nosso corpo, e se manifesta em ossos fraturados ou membros com maior sensibilidade”, explica Monteiro. Umidade e calor são condições que influenciam diretamente no clima e, indiretamente, na pressão das pessoas.
Sabedoria de pescador e reconhecida por cientistas
Pescador que continua de olho no céu à beira do mar, em Sambaqui, o aposentado Avelino Alcebíades Alves, 85, dedicou parte de suas observações empíricas aos ventos. Constatou, por exemplo, que amanhecer com noroeste significa mudança para nordeste no decorrer do dia. A explicação dele, publicada em 2009 pelo GEA (Grupo de Estudos da Astronomia), é que as massas de ar quente localizadas a leste seguem a posição do sol no deslocamento para oeste.
Em agosto e setembro, na transição do inverno para primavera, o nordeste costuma soprar forte por três dias consecutivos. Este vento precede frentes frias. Ainda em agosto, o nordeste está associado também a marés baixas.
Em outubro traz chuva, a chamada carregação de nordeste. Nas outras épocas do ano, o nordeste, quase sem rajadas, mantém o tempo quente e sem chuva. É o preferido dos velejadores. No verão, ao se armar tempestade, o nordeste é substituído pelo noroeste forte. “Depois da trovoada, lá está de volta o bom e velho nordeste”, diz. As lestadas costumam ocorrer no início do inverno e, às vezes, até em março. De fraco a moderado, o vento está sempre associado a chuvas.
Vento calmo, o sudeste é resultado da corrente de reposição da massa ascendente, e ocorre nos equinócios (março/abril e setembro/outubro). Sua presença é sinal de que não há tempestades por perto. Costuma começar entre 10h e 11h, mas no fim do dia torce com força para leste. À noite, quase brisa, sopra sem turbulência.
Mais temperamental, o sul é também o mais frio dos ventos da Ilha. Costuma vir forte, mas acalma três dias antes e depois das marés de sizígia (luas nova e cheia), para recrudescer na vazante. Quando o tempo é ruim, sopra forte e limpa o céu. Mas, se estiver bom, ele também pode trazer tempestades.
(Publicado em 31/01/14-14:03 do ND - www.ndonline.com.br)
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