sexta-feira, 2 de agosto de 2013

MULHERES DO MAR

Mulheres do mar: Pescadoras querem mais peixe e camarão nas escolas de Balneário Barra do Sul

Cooperativa capacita famílias no beneficiamento de frutos do mar para reforço da merenda escolar e conquista do selo de qualidade sanitária

imgEdson Rosa

FLORIANÓPOLIS
A ampliação do cardápio de peixes e camarões na merenda escolar, a partir do próximo ano letivo, é uma das propostas da Amopesca (Associação das Mulheres Trabalhadoras na Pesca Artesanal) de Balneário Barra do Sul, a 157 quilômetros ao Norte de Florianópolis. A intenção, de acordo com a presidente Rosângela Vieser, é garantir a qualidade nutricional da alimentação servida aos alunos, da educação infantil ao ensino médio, e estimular a participação familiar nos processos de produção e beneficiamento. O projeto prevê, na segunda etapa, a inclusão de pescados também nas escolas estaduais no município.
  
 Foto Marco Santiago
Fora da cooperativa,mulheres descascam camarão para atravessador
Atualmente, na rede municipal é servido apenas filé de cação, normalmente desfiado e ensopado. Para tornar o cardápio mais atrativo, a ideia é produzir os tradicionais salgadinhos, como quibes, bolinhos, coxinhas, além de hambúrger e linguiça de peixes variados e camarão. “É importante pelos aspectos nutritivo e econômico”, avalia a coordenadora de educação infantil da prefeitura, Claudinéia de Oliveira. Filhos de pescadores na maioria, os estudantes não teriam dificuldades em se adaptar ao cardápio na escola. “Principalmente, se as opções forem variadas, diferentes das formas tradicionais que as refeições são preparadas em casa”, completa.
A cooperativa das mulheres pescadoras, ainda em fase inicial de organização, é o primeiro passo também para a obtenção do selo de qualidade sanitária do produto, com o SIF (Serviço de Inspeção Federal). Elas sabem que agregar valor ao pescado é o caminho para conquista de espaço no mercado varejista ou no atacado. “Assim, poderemos abastecer peixarias, supermercados, produzir salgadinhos para festas e, quem sabe, chegar a municípios vizinhos e até em algumas cidades do Paraná”, explica a vice-presidente da Amopesca Jordan Alves Ramos, 55.
Estrutura depende das parcerias
Por enquanto, as pescadoras de Balneário Barra do Sul contam apenas com o próprio trabalho, e apostam em parcerias com Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural), Banco do Brasil e prefeitura. A Amopesca não precisa apenas de terreno para funcionamento da sede social e da cozinha industrial da cooperativa.
 “O Banco do Brasil já nos cedeu cadeiras, mesas, televisão, fogão e geladeira. Mas precisamos de fritadeira industrial e maquinário para moer, filetar e embalar peixes e descascar camarão”, diz Rosângela. Fundada em 2007, a Amopesca tem 47 associadas, entre aquelas que trabalham em terra na evisceração e beneficiamento da produção, inclusive aposentadas, e as que também ainda vão para o mar.
O trabalho da Epagri para organizar e agregar renda às comunidades pesqueiras de Barra do Sul consiste, basicamente, na capacitação profissional para processamento de pescados. Parceria com a Coopercargo (Cooperativa dos Alunos do Colégio Agrícola de Araquari), cidade vizinha, e financiamento do BID (Banco Interamericano) de Desenvolvimento, viabilizou o Projeto Candira, com aulas de cooperativismo, processamento da produção e administração rural.
Segundo o coordenador do escritório local da Epagri, José Eduardo Calcinoni, mais de 200 pessoas foram capacitadas e preparadas para formação da Cooperpesc, a cooperativa de pesca de Balneário Barra do Sul. Também foram elaborados plano de negócios, com consultoria do Sebrae, e projeto da unidade de beneficiamento, em terreno ainda em negociação com a prefeitura.
Em terra, opção para quem não pode mais embarcar
Trabalhar no beneficiamento seria, também, alento para quem passou a maior parte da vida no mar. Mulheres como a aposentada Luisa Castanho Corrêa, 83, que morou 15 anos na Ilha dos Remédios, diante da boca da barra, e hoje limpa e vende a produção do segundo marido e de dois filhos na banca dos pescadores, ao lado da Lagoa do Linguado, no Centro. “Aqui, ainda temos nossa freguesia, mas, é claro que, se pudermos produzir mais, vamos ganhar mais”, avalia. Dona Luisa ainda venera o mar, mas não tem mais saúde para pescar. “A gente cansa, é uma vida muito sofrida”, resume.  
Marco Santiago
Aposentada Luisa Corrêa deixou de pescar embarcada, mas cuida do beneficiamento e da venda do que produzem o marido e dois filhos
Foram as dores no corpo que também afastaram do mar a filha de Luísa, Safira Cristina Mendes de Souza, 40, a Neneca, como é conhecida na colônia Z três, em Barra do Sul.  Com artrose na coluna, a pescadora que costumava atravessar a nado os 1.470 metros da Ilha dos Remédios à boca da barra, está na fila da perícia do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Enquanto depende da burocracia, a fisioterapia ameniza a dor, e a convivência com a rotina da casa afasta a saudade das lidas no mar. “Hoje, não consigo mais embarcar, e sinto falta. Lá fora é sofrido, tem fome, sede, frio e perigo. Mas não é tão medonho assim”, garante.
Resignada, Neneca diz estar pronta também para a missão de dar sequência do trabalho em terra firme. Ao lado do marido Nezinho, do pequeno Elias  Davi, de apenas cinco anos, e da jovem Aline, 18.
 “Mulher pescadora tem calos na alma, não apenas nas mãos”.
Safira Cristina Mendes de Souza, a Neneca, 40, pescadora e dona de casa em Balneário Barra do Sul

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