terça-feira, 20 de agosto de 2013

MAR DE BALEIAS

Trilhas e costões viram observatórios naturais de baleias em Santa Catarina

A observação embarcada dos animais no litoral foi suspensa, em maio desde ano, por ação civil pública

imgEdson Rosa

FLORIANÓPOLIS

  • Desativados depois de mais uma safra fracassada, pontos de vigia da pesca artesanal da tainha agora são mirantes improvisados nos caminhos que atravessam costões e encurtam a imensidão das dunas entre Garopaba, Imbituba e o Cabo de Santa Marta. Saudáveis, caminhadas matinais ou vespertinas pelas trilhas têm sido também única alternativa para resgatar a temporada das baleias-francas no Litoral Sul de Santa Catarina, desde que o turismo de observação embarcado foi suspenso pela Vara Ambiental da Justiça Federal de Laguna e 4º TRF (Tribunal Regional Federal), em Porto Alegre. 


    Foto Flávio Tin/ND
baleia observação Santa Catarina
No morro do Catalão, Cida Ferreira procura baleias na rota de cargueiros para acesso ao porto
A substituição dos barcos pelas trilhas para avistamento de baleias no período de reprodução, de julho a novembro, é estimulado por grupo de condutores ambientais formado no IFT-SC (Instituto Federal de Educação), campus de Garopaba. São dez integrantes do grupo Taiá Terra, que agendam, organizam e monitoram passeios, precedidos de aulas de educação ambiental.

“Não se trata apenas de turismo, mas de projeto de educação ambiental credenciado pela APA (Área de Proteção Ambiental) da Baleia Franca”, explica Alice Rampon Rosa, 30. Os percursos do Taiá Terra incluem velhos caminhos de pescadores entre as praias da Vigia, da Silveira, do Rosa, dunas do Siriú, trilhas do Ambrósio, da Pedra Branca e da Barrinha, em Garopaba; e as praias de Ibiraquera, Barra, Vermelha, Ouvidor, Ribanceira e da Água, em Imbituba.

A observação embarcada de baleias no litoral de Santa Catarina foi suspensa, em maio desde ano, por ação civil pública ajuizada em novembro de 2012 pelo Instituto Sea Shepherd Brasil - Instituto Guardiões do Mar. A liminar da juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro determina a realização imediata de estudos de impactos ambientais e, inclusive, fiscalização de embarcações nos limites e zona de amortecimento da APA.

Ainda sem fechar o cálculo das perdas na economia da cidade, o secretário de Turismo de Imbituba, Leandro Ribeiro, lamenta a decisão judicial. “Foi uma medida arbitrária, de quem não conhece a realidade local, nem o ciclo das baleias”, critica. Segundo ele, o fim das observações embarcadas afasta pelo menos 10 mil clientes de restaurantes, hotéis e pousadas no entorno da APA da Baleia Franca. E alerta para desemprego no setor, especialmente entre as três operadoras credenciadas anteriormente – Base Cangulo, em Garopaba; Vida Sol e Mar, na praia do Rosa, em Imbituba; e Central Aventuras, na Pinheira, Palhoça.


APA defende turismo para fins científicos
O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão gestor da APA da Baleia Franca, é réu na ação do Instituto Guardiões do Mar. A chefe da APA da Baleia Franca, Maria Elizabeth Carvalho da Rocha, 42, no entanto, argumenta que os estudos de impactos ambientais vinham sendo feitos durante os sete anos de observação embarcada.
Foto Flávio Tin/ND
baleia observação Santa Catarina
Trilha do Catalão, entre Aguada e Ribanceira, é um dos antigos caminhos de pescadores resgatados por Fernando, Alice, Julio e Cida, do grupo Taiá Terra
A delimitação de áreas de refúgio, em seis enseadas entre Imbituba e Garopaba, são exemplos de ações definidas durante a abertura da APA à navegação turística. Estes locais sempre foram restritos à amamentação e ao descanso das baleias. Segundo Maria Elizabeth, apenas três barcos eram credenciados anualmente, com a exigência de abastecer a APA com informações básicas do diário de bordo – números de saídas e turistas transportados e de animais avistados, por exemplo – utilizadas para regramento da atividade no mar. “É impossível manter a fiscalização permanentemente nas embarcações. Eram monitoradas por satélite, em tempo real”, completa.

As embarcações credenciadas, segundo Maria Elizabeth, seguem as regras do artigo 1.147 do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre aproximação e distância das baleias, e são vistoriadas pela Marinha. Além disso, há acordo de cavalheiros entre as operadoras, que utilizam sistema de sinalização com bandeiras para evitar aglomeração junto às baleias. “Nunca houve aproximação simultânea, e neste período foi constatado crescimento anual de 12% da população que nos visita”, diz.

O uso sustentável, apesar da exploração comercial, é importante como educação ambiental, para mensurar os impactos e elaborar o plano de manejo, defende Maria Elizabeth. Em 130 quilômetros, a APA alcança cinco milhas (9.260 metros) da costa. Tem 78% de território terrestre, composto por ecossistemas frágeis e vulneráveis à ocupação desordenada – como manguezais, restingas e campos de dunas.

“Então, antes de qualquer decisão, é importante ouvir comunidades e indústria pesqueiras, e saber o que o plano diretor de cada cidade prevê. E, assim, e definir o que se espera da APA no futuro”, propõe.


Exemplo de sabedoria, pescador mantém encantamento de menino
Amigo dos surfistas, Anastácio Manoel da Silveira, que aos 82 anos esbanja vitalidade e sabedoria, tem muitos motivos de orgulho. Um deles é comer apenas o que tira do mar ou da terra e preservar o estilo de vida herdado dos bisavós. “Saúde entra pela boca”, repete o pescador, que na vila de Ibiraquera, em Imbituba, é respeitado também pela relação harmoniosa com a natureza e pela alta produtividade das roças de mandioca, milho, feijão ou hortaliças que cultiva sozinho.

Outro é a amizade que mantém com as visitantes ilustres de inverno, as baleias, com quem convive desde a infância. De boa memória, Anastácio se lembra do tempo em que pais e avós levavam a criançada ao alto do costão do Ouvidor, entre Imbituba e Garopaba, para ver o balé de mães e filhotes junto à arrebentação. “Uivavam de um jeito que, espantado, o gado desembestava morro abaixo”, conta.

Lugar dedicado às divindades, como costuma dizer, o rancho onde guarda duas velhas canoas de um pau só e redes para tainhas e anchovas, é como a continuação da casa dele. É na beira da praia do Porto Novo, denominada Rosa Sul em 1970, que o velho pescador assume o apelido de encantador de baleias. “Elas estão sempre aí na frente, se exibindo para quem quiser ver. Aqui já foi maternidade e berçário”, diz.

A luminosidade da orla ocupada, a claridade dos faróis de carros e os fogos de artifício, segundo o pescador, afastam as baleias do refúgio do Porto Novo. “Elas têm sono profundo e preferem locais escuros. Não gostam de ser incomodadas”, observa.

Diferente dos colegas de pesca que ainda lamentam a perda de equipamentos no mar, Anastácio nunca viu baleia emalhada em suas redes. “Já peguei arpão nas mãos, mas gosto é de vê-las vivas. E aprendi a não cruzar o caminho delas”, sorri.

Foto Flávio Tin/ND
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Anastácio é reverenciado por ambientalistas, surfistas e pelos colegas pescadores

Ambientalistas formam grupo para qualificar caminhadas
Saídas em dias de vento sul forte, com alerta de mar alto, e aproximação demasiada das embarcações eram situações que incomodavam o uruguaio Julio Martinez, 37, condutor ambiental credenciado para acompanhar operadoras de turismo embarcado no Litoral Sul de Santa Catarina. Dados por ele coletados, relacionados à embarcação, tripulantes, passageiros e baleias avistadas, eram repassados à APA. Manobras evasivas, ou seja, religamento dos motores após a aproximação dos animais, também eram comuns. “O certo seria desligar e usar âncoras”, explica.

Bolsista do ICMBio, Martinez faz parte do Taiá Terra. Ao lado dos irmãos José Fernando, 25, e Tiago Silvano, 28, e das amigas Alice Rampon Rosa e Maria Aparecida Ferreira, 46, ele aproveita o impasse judicial para difundir o turismo ecológico. A proibição da observação embarcada, segundo o grupo, serviu também para tirar o Conselho Gestor da APA do comodismo generalizado. “Chega de omissão”, acrescenta Cida.


Entrevista: Daniela Tocchetto – Juíza
A proibição do turismo embarcado no trecho abrangido pela APA (Área de Proteção Ambiental) da Baleia Franca entre Laguna, Imbituba e Garopaba, Sul de Santa Catarina, foi a última decisão liminar assinada pela juíza federal Daniela Tocchetto Cavalheiro, 38, antes da transferência dela para uma das turmas recursais do 4º TRF (Tribunal Regional Federal), em Porto Alegre. Nos primeiros 30 dias sem a juíza Daniela, a Vara Ambiental de Laguna será presidida pela juíza federal Rafaela Santos Martins da Rosa, de Criciúma, até o substituto, Rafael Martins da Costa Moreira, concluir a transferência de Guaíra (PR) e se debruçar sobre o processo para elaborar a sentença final.

Antes de se despedir dos colegas em Laguna, na quinta-feira, a juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro deu entrevista exclusiva ao Notícias do Dia, quando mostrou-se confiante no julgamento da ação em 120 dias. Argumentou que a liminar é o sinalizador do mérito, e não acredita que sua saída da Vara Ambiental Federal atrase a sentença final.

“Em direito, tudo o que vale é a prova. Infelizmente não deu tempo de eu mesma dar a sentença final, mas os demais juízes federais e o Ministério Público Federal permanecerão atentos”, diz. A manutenção da liminar em julgamento de recurso da Procuradoria do ICMBio no 4º TRF , de acordo com a juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro, é mais um sinalizador de coerência da Justiça Federal para o julgamento de mérito da ação.


Operadoras e representante da APA argumentam que o turismo de observação embarcado é comum em outras regiões do mundo, como na Austrália e na Argentina...



Cada lugar do mundo tem uma realidade particular e características próprias, e as baías de Imbituba e região são diferentes destes lugares. Elas vêm para amamentar e descansar.


Eles alegam também que a decisão judicial inviabilizou o turismo de inverno e teve impactos negativos na economia local. O que a juíza acha disso?
Não estou inventando nada, apenas fazendo cumprir o que manda a lei. É preciso agir na prevenção e levar em conta o que determina a Constituição Federal. A APA tem seus limites e objetivos definidos por lei, e o turismo de observação de baleias ocorre nestes limites. Então, é preciso primeiro verificar os impactos ambientais da atividade.
Quem deve fazer estes estudos? A APA alega que as operadoras são pequenas e não têm estrutura para bancar.
A liminar determina que o ICMbio faça. O órgão gestor tem obrigação de fazer os estudos de impactos ambientais. Se ficar comprovado que é viável, que não há impactos na rotina biológica dos animais, é possível a retomada com plano de manejo específico, com restrições ou não. Não se pode é fazer de qualquer jeito e correr o risco de afastar de vez as baleias.
A transferência da juíza para Porto Alegre não prejudica o andamento da ação? Não há risco de a substituição mudar os rumos do processo?
Com certeza, não. A liminar é a antecipação da sentença, sinaliza para o julgamento final da ação.
A proibição vale para todo o litoral catarinense?



Vale para os municípios sob jurisdição da subseção da Justiça Federal em Laguna. Legalmente, tem efeito local nas enseadas da região. Mas, por bom senso, deve ser estendida também à ponta Sul de Florianópolis, no trecho do entorno da Ilha incluído na APA da Baleia Franca.


Publicado em 18/08/13-10:04 por: Redação ND. - www.ndonline.com.br)

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