Foto Marco Santiago/ND
Sebastião, da prainha do Farol, sugere que o prazo de defeso seja reduzido
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Mudanças para safra da tainha serão discutidas dia 10 de junho em Itajaí
Pescadores artesanais sugerem readequações na instrução normativa 171/2008 do Ibama para disciplinar pesca e conter conflitos
por Edson Rosa
Como nos anos anteriores, os primeiros dias da atual safra da tainha revelaram falta de sintonia entre órgãos de fiscalização e pescadores. Também faltaram critérios na liberação de licenças de pesca. Conflitos, denúncias e reclamações, segundo o presidente da Federação Catarinense de Pescadores, Ivo Silva, servirão de subsídio para prováveis mudanças nas regras, provavelmente já a partir da próxima temporada, com readequações na Instrução Normativa 171/2008 do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
As propostas serão discutidas durante a próxima reunião do Grupo Técnico da Tainha, marcado para 10 de junho, em Itajaí. Para o setor industrial, por exemplo, a Federação Catarinense dos Pescadores, vai propor a redução do número de traineiras licenciadas – atualmente são 60 - e a ampliação da zona de exclusão para 10 milhas náuticas (18.520 metros) em todo o litoral brasileiro, como já ocorre no Rio Grande do Sul. O grupo é formado por representantes dos pescadores, dos Ministérios da pesca e do Meio Ambiente e do Cepsul (Centro de Estudos Pesqueiros do Sul, da Univali (Universidade do Vale do Itajaí)
Na área artesanal, pelo menos três modalidades precisam de nova regulamentação: arrastão de praia com redes de malhas e canoas motorizadas, cerco em botes de caça de malha, e redes de cabo com âncora.
A expectativa de pescadores como João Ramos, de Jaguaruna, é que sejam definidos limites para cada uma delas. “Quem pesca com arrastão é obrigado a usar canoa a motor. E, neste caso, os cabos esticados na arrebentação, são armadilhas perigosas”, diz. Segundo Ramos, além de espantarem os cardumes no momento de encostar e inviabilizar o arrastão da praia, as redes de cabo atravessadas são usadas por amadores. “É gente que não vive da pesca, mas tem força política”, conclui.
Motor supre falta de mão de obra
Aos 51 anos, João Pereira Ramos começou na infância e ainda pesca da mesma forma que o pai e o avô faziam. Conquistou respeito e patrimônio de classe média na praia do Camacho, em Jaguaruna, mas não quer a mesma vida para os dois filhos, incentivados a estudar e escolher outra profissão. “Está cada vez mais perigoso e incerto viver do mar. Já passei muito frio e fome nestas dunas”, argumenta.
Nem a safra da tainha estimula o pescador, que critica a falta de conhecimento prático de quem libera as licenças de pesca. “Sempre fui pescador, estou com minhas taxas e hoje em dia preciso pagar advogado para garantir o direito de trabalhar”, acrescenta. A instrução normativa 171, segundo João Ramos, precisa ser revista, e aplicada de acordo com a realidade de cada colônia.
No Camacho, por exemplo, há cinco anos os pescadores artesanais utilizam canoas de fibra, similares as de um pau só, mas equipadas com motor de centro ou popa. A adaptação é a maneira de suprir a falta de mão de obra e viabilizar a saída sem risco de acidentes. “Neste mar é impossível sair a remo, não querem liberar as licenças. Estamos trabalhando com mandado de segurança”, explica.
Com 17 camaradas fixos, João Ramos investiu R$ 38 mil na embarcação, incluindo o motor de 24 hps, e R$ 50 mil no arrastão de malhas. “Não sei se conseguirei cobrir as despesas deste ano. Está passando peixe, mas o mar não ajudou nos primeiros dias de safra”, observa.
Outras quatro parelhas, todas administradas pela família Ramos, utilizam canoas motorizadas e redes de mil metros de comprimento. Percorrem do Camacho ao Chuí, no Rio Grande do Sul, a caça dos cardumes.
Pescador sugere defeso diferenciado
Na Prainha, no Farol de Santa Marta, Laguna, as canoas ainda são movidas a remo e as redes de arrasto têm copo, não apenas malhas. Mas o sentimento dos pescadores artesanais da pequena enseada é o mesmo do Camacho.
“O ideal é mudar o período do defeso. Liberar a pesca artesanal mais cedo”, sugere Sebastião Manoel Albino, 62, remador da canoa Maria Maré, de oito metros.
A proposta da Federação das Associações de pescadores de Santa Catarina de antecipar o fim do defeso para 1º de maio, respaldada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, para este ano foi rejeitada pelo Ibama e Ministério do Meio Ambiiente.
João Ramos depende da canoa motorizada para pescar na praia do Camacho
Mãos calejadas no remo para enfrentar mar grosso
É nítido o envelhecimento das tripulações das centenárias canoas de um pau só, de oito ou nove metros, ainda utilizadas na maioria das colônias de pesca artesanal de tainha no litoral catarinense. Na praia da Ribanceira, Vila Boa Esperança, pequena comunidade quase escondida entre o porto e o balneário de Ibiraquera, em Imbituba, sobram exemplos.
Remeiro dos melhores, Valdomiro Manoel da Silva, 70 anos, o Valdo do Pacheco, é um deles. No alvoroço do lance, quando ouve o apito do vigia precisa de ajuda dos mais jovens para embarcar e, sincronizado com os outros três, remar com força para enfrentar o mar grosso e não perder o cardume.
“Precisa ser rápido, elas estão cada vez mais escassas por aqui. Os barcos matam tudo”, diz. Em seguida, cai na gargalhada com os colegas quando jura que a perda de habilidade não influencia na disposição para outros prazeres da vida. “Ainda me sinto um garotão”, emenda.
Como o bom humor, a persistência é outra característica comum em quem sobrevive da pesca. Na Ribanceira, 20 famílias dependem diretamente da produção da sociedade que mantém três canoas – Terezinha, Rei do Oceano e Danielle – com redes embarcadas e prontas para cercar.
Abrigado por pequena ponta de morro, apenas o canto sul permite saídas a remo e cerco com redes de copo, ou de enxuga. Quando o cardume é avistado em pontos da praia aonde a ondulação chega a dois metros e o fundo é esburacado, entra em cena a canoa Danielle, a maior de todas e a única equipada com motor de popa. “Se não for assim, é muito arriscado. Não tem mais mão de obra para formar nova tripulação”, explica Manoel Silveira Albino, 60, o Dedé.
Neste caso são utilizadas redes de malha, sem copo, mas o método é semelhante ao arrastão de praia praticado em Florianópolis. Uma extremidade fica na praia e o patrão, que navega na popa com remo auxiliar para conduzir a canoa de acordo com a orientação do vigia, faz o cerco de aproximadamente 600 metros antes de retornar com a outra ponta.
Em seguida, camaradas e pessoas da comunidade que aparecem para ajudar se dividem e começam a puxar simultaneamente. Aos poucos, as tainhas aparecem malhadas pela cabeça. “Pelas condições do mar, o perigo é maior, é muito mais trabalhoso”, completa Adão Vieira, 77, um dos sócios da parelha.
Clima familiar anima espera no rancho
Na safra da tainha rancho de pesca é como casa de família. E na Ribanceira, o toque feminino chama a atenção não só pelo cheiro bom do café matinal ou do almoço bem temperado. Mas, acima de tudo, pela organização e higiene.
A responsável pela ordem é Maria Baron, 63, que faz compras no mercado para não deixar a dispensa em falta, cozinha, limpa e, para não ficar sobrecarregada, exige que cada um lave a própria louça. “Quando é preciso, também boto a mão na rede”, emenda a futura avó.
Simples, o rancho que na entressafra abriga as canoas nesta época é também centro de convivência dos pescadores. Uma das paredes serve para pendurar remos, coletes salva vidas e puxadores, enquanto na outra lateral o trocador de roupas, oito beliches e banheiro permitem algum conforto na hora do descanso. “Mais do que garantir meu quinhão de peixe, é aqui que curo minha depressão”, diz Maria Baron.
As refeições preparadas por ela são servidas em duas mesas coletivas, uma delas usada como altar nas missas de 1º de maio para abençoar a safra. Católicos em maioria, os pescadores da Ribanceira reservam também um quinhão do que pescam à capela de Nossa Senhora de Fátima, a padroeira da comunidade.
Dois fogões, a lenha e a gás, e a geladeira cheia proporcionam cardápio variado. Só não podem faltar arroz, feijão, salada e, é claro, peixe. “Às vezes sai um churrasquinho. Mas o dono do mercado sabe que dependemos da tainha para pagar a conta da carne. Se não der nada, a conta caduca até o ano que vem”, brinca o patrão Lindomar Martins Vieira, 45, o Vando, o mais jovem da parelha.
Quando o mar não está para peixe na Ribanceira os pescadores do lugar viram nômades. Colocam Danielle na carroceria de um velho ônibus adaptado, e percorrem a pé os 30 quilômetros de extensão da praia, de Ibiraquera a Itapirubá do Sul. E, mesmo que nem sempre voltem com as redes cheias de peixes, estão sempre prontos para recomeçar no dia seguinte.
(Do ND -Publicado em 20/05/13 - www.ndonline.com.br.com.br)
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