segunda-feira, 13 de maio de 2013

PAU DE CANOA

Foto Guto Kuerten / Agencia RBS
Pescador revive arte de transformar tronco de garupuvu em canoa
Canoeiro Rudinei Alves é um dos últimos da região que conhece a técnica

por Gisele Krama
gisele.krama@diario.com.br
O tronco de um garapuvu de 80 anos está tombado na Praça Arnaldo de Souza, no Centro Histórico de São José, desde o fim de março. Aos poucos, a madeira ainda verde ganhará forma de uma canoa nas mãos do pescador e canoeiro Rudinei Alves, 47 anos, que herdou a técnica de esculpir do pai.

Desde criança observou Paterniano Ernesto Alves, mais conhecido como Terninho, fazer brotar de uma árvore caída uma embarcação. Com a memória ainda afiada, Rudinei transforma lembranças em movimentos e com mãos precisas começa o entalhe.

Todo o processo de transformação acontece ao ar livre num espetáculo pouco visto pelos moradores de São José. Não é para menos, já que a tradição está se perdendo a medida que a pesca artesanal também se esvai. Para piorar a situação, a árvore garapuvu não pode ser retirada normalmente para o entalhe desde 1992. Cabe apenas a momentos excepcionais se tornar protagonista de uma cena como esta.

O tronco de madeira com mais de três metros foi retirado de uma árvore que tombou num hotel da Praia Mole, em Florianópolis. A árvore foi levada para São José em 22 de março, onde havia registros de ainda ter canoeiros. Mas ninguém quis transformar em a obra a técnica que ainda guarda. O escultor de canoas veio de Palhoça, mais precisamente da Barra do Aririú.

— Foi difícil achar alguém que quisesse fazer a canoa — diz Lourival Medeiros, que ficou responsável por encontrar uma pessoa que ainda guardasse o conhecimento de transformar troncos em embarcações.

Rudinei, que hoje vive de consertos de barcos e de soldas, aceitou a missão. Esta será a décima embarcação que dará vida na sua curta carreira de canoeiro. Ainda lembra das cenas da infância, quando acompanhava Terninho passar horas e horas vendo dentro de um tronco um futuro barco. A última canoa que seu velho pai fez, aos 83 anos, já faz um década. Mas com a morte dele, o trabalho ficou para trás.

— A profissão não é reconhecida. É coisa que vai se acabando aos poucos — admite o canoeiro.

Se a previsão inicial era concluir os trabalhos até o fim de abril, a estreia da canoa deve ficar para o final do mês. A quebra da motosserra atrasou em duas semanas as atividades. Em julho, no Festival de Inverno, Lourival pretende entregar a embarcação para a cidade. Como presente a todos, alguém será convidado a fazer um trajeto no mar, assim como os antigos faziam.

Olhares de espanto

Um homem com um machado na mão ou com uma motosserra contando uma árvore no meio de uma praça é uma cena inusitada. No Centro Histórico de São José também. Enquanto Rudinei tenta trabalhar embaixo de sol ou coberto por uma tenda montada para ele na Praça Arnaldo Souza não é raro alguém passar com olhar de espanto. Alguns curiosos ficam por alguns minutos tentando entender o que está acontecendo. Outros mais corajosos arriscam uma pergunta e até uma conversa. Saciados de seus questionamentos, vão para casa satisfeitos.

— Devem pensar de tudo um pouco. Tem gente que até brinca dizendo que é a arca de Noé — comenta Rudinei.

Para quem estiver interessado, o canoeiro continua a conversa, explica como é feita a transformação do tronco em embarcação e até destaca qual o ponto certo da madeira.

Foto Julio Cavalheiro / Agencia RBS
Oleiro descreve a tradição da canoa que brota do tronco do garupuvu

Segundo Lourival, oleiros de São José usavam as canoas para buscar argila em Florianópolis

Considero de grande importância o fato de estarmos sempre atentos aos diversos aspectos da nossa cultura, como forma de mantermos e aprimorarmos nossa história para que as gerações futuras possam também ter alcance e vivenciar todo esse acervo cultural que faz parte da nossa essência de base açoriana.

A exemplo da canoa de um pau só de (garapuvu) observamos mais uma das riquezas culturais que está se perdendo frente aos nossos pouco atentos olhos.

A canoa de garapuvu foi um instrumento, um veículo de grande propagação cultural, permitindo a pesca, o transporte e até mesmo o lazer com as famosas corridas de canoa a vela, fomentando ainda mais a tradição e aglutinando multidões para uma vida mais festiva e feliz.

Os oleiros da ponta de baixo, distrito de São José, usavam as canoas para buscar argilas extraídas dos mangues para misturar às outras argilas conferindo-lhes mais plasticidade para a confecção das peças no torno (roda de oleiro) e até para transportar as louças de barro para a vizinha Florianópolis.

Com a chegada das embarcações de fibra e alumínio, as canoas foram perdendo importância, visto a dificuldade com o peso e a mobilidade para levar e trazer do mar.

Hoje as leis ambientais não permitem mais a extração da madeira (pau), mais esquecem que com isso estão matando também um segmento cultural de rara importância. É preciso pensar num consenso, sabendo que essa árvore não dura mais que uns sessenta a oitenta anos.

Não seria possível uma forma sustentável de manter essa tradição tão bela? Fica aqui minha pergunta.
Texto enviado por Lourival Medeiros, oleio de São José.

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