segunda-feira, 6 de maio de 2013

FIM DA TAINHA I

Foto Marco Santiago/ND
Frota pesqueira se prepara para captura no mar, a partir da boca da barra
 Supervalorização da ova e falta de política pesqueira acentuam redução dos cardumes de tainha

A pesca indiscriminada praticamente o ano todo é a causa mais óbvia do fim da fartura nas redes

por Edson Rosa
Estão matando as tainhas das ovas de ouro. Aparentemente infame, o trocadilho resume o que ocorre ano a ano nos criadouros salobros da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, ou nas águas salgadas do litoral catarinense, onde as espécies Mugil liza e Mugil platanus, cada vez mais escassas, são caçadas. Exatamente quando deveriam completar o ciclo de reprodução.

A pesca indiscriminada praticamente o ano todo na maior lagoa costeira do país, intensificada no oceano durante a corrida para desova, de maio a julho, é a causa mais óbvia do fim da fartura nas redes. Mas não é a única.

A maior delas, segundo pesquisadores da Fundação Universitária do Rio Grande, é a inexistência de política de governo para o setor pesqueiro. Também não existem estatísticas confiáveis do que é capturado, seja pelos artesanais ou pela frota industrial cada vez mais sofisticada. “Não há sequer comunicação entre os ministérios”, diz o professor de oceanografia Jorge Castello, 71 anos, considerado o “papa da tainha” pelos colegas da Furg.

No caso específico do peixe, falta controle periódico da safra. Em 2007, por exemplo, o pico de captura declarado aos ministérios da Pesca e do Meio Ambiente, no Sul do Brasil, foi de 7.600 toneladas. No Ministério de Indústria e Comércio Exterior, no entanto, o volume declarado de ovas que viraram caviar ou a bottarga italiana, iguarias apreciadas no mundo todo, corresponde a 30 mil toneladas de fêmeas em plena época de reprodução.

“É uma diferença brutal entre os dados do próprio governo”, observa Castello, que não acredita em desinformação deliberada para estimular a exportação. “Creio que é desorganização mesmo”, diz desconfiado.

A redução dos estoques e o desaparecimento gradativo de uma das vedetes da culinária tradicional açoriana é consequência da supervalorização da ova no mercado internacional a partir de 2004. Hoje, o quilo da iguaria custa R$ 60, em média, e os maiores compradores são China, Espanha e Estados Unidos. Nas vilas da Lagoa dos Patos, no Rio Grande ou em São José do Norte, o peixe inteiro custa R$ 3,50 o quilo, com ou sem ova. Nas bancas do mercado público, na beira do cais, o preço dobra. Mesmo assim, a freguesia prefere linguado, burriquete ou peixe-rei, 30% mais caros.

Sem estatística e fiscalização, não há controle

Pessimista, mas sem alarmismo, o professor Jorge Castello diz que entre os pescadores todos são culpados pelo desaparecimento da tainha - industriais e artesanais. E não vislumbra alternativas para recuperação dos estoques, nem como normatizar o período de captura por cotas, como sugere o sinduicato da Indústria Pesqueira de Santa Catarina.

“Assim como não há como quantificar o volume capturado, também é impossível dimensionar a reserva de matrizes disponíveis nos estuários. Nem em que proporção os cardumes estão diminuindo”, explica Castello, que mostra o litoral catarinense recortado por enseadas e baías como uma das dificuldades para controle da safra artesanal. Na outra ponta da rede, armadores fazem questão de sonegar informação e não declarar o que a frota industrial efetivamente captura.


Foto Marco Santiago/ND
João do Celso foi pioneiro no uso de redes de arrasto de praia

Sardinha desaparece, e indústria direciona frota em busca de ovas

O interesse da indústria pesqueira pela tainha cresceu a partir de 2001, depois do colapso dos estoques da sardinha verdadeira, que ocorre basicamente do cabo de Santa Marta acima, e praticamente desapareceu da costa brasileira. Sem matéria-prima para as conservas enlatadas, a frota ociosa dos armadores catarinenses foi deslocada mais ao sul, e passou a cercar os cardumes a partir da boca da barra do Rio Grande, na saída para a corrida da desova no mar.

O bom preço no mercado internacional estimulou a captura da tainha ovada, no período de migração até o Norte do Paraná, de maio a agosto. O potencial de pesca de uma traineira, com porão com capacidade para transportar até 30 toneladas e equipada com tecnologia moderna para apressar a localização de cardumes, além de tornar desigual a concorrência com as parelhas tradicionais da pesca artesanal, acelerou o processo predatório.

Para os cientistas, os dois segmentos são predatórios. “Se caça, não se cultiva o peixe. A pesca é uma atividade predatória”, compara o professor Jorge Castello, que diz ser mito acreditar na preocupação preservacionista do setor artesanal. “Há dois diabos nesta história”, diz. Segundo pesquisadores da Furg, na Lagoa dos Patos há duas taxas de mortalidade de cardumes, uma natural e outra relacionada à atividade humana.

Dos peixes mortos a cada ano no maior estuário do Sul do Brasil, 20% têm causas naturais, enquanto os outros 30% são mitivados pela pesca indiscriminada. “A pesca aqui é artesanal, salvo casos de traineiras clandestinas. Então, o percentual de tainha morta por este segmento é muito superior à industrial, que atua no oceano”, argumenta Castello.

Pescador experiente percebe na prática

Pescador mais velho da vila da Barra, o lagunense João do Celso, 71, não é só mais um entre os tantos que foram para a corrida da tainha e não voltaram das praias gaúchas. Pioneiro no uso de redes de arrasto de praia e caças de malha, ele procura ser modesto quando é apontado pelos vizinhos como o “rei da pesca” em São José do Norte, cidadezinha vizinha a Rio Grande considerada a “república Catarina”. Experiente, ele confirma todos os dias na prática, as teses defendidas pelos pesquisadores da Furg.

“A safra da tainha diminui pelo menos 40% ao ano”, diz João do Celso. Ele fala com a experiência adquirida em 60 anos de pescaria nas praias de Rio Grande e São José do Norte. Aos 12 anos, o rapaz subiu na carroceria de um dos caminhões que desciam com mão-de-obra barata. foi ajudante de parelha nas praias do Cassino e da Barra, virou proeiro, comprou a primeira parelha para garantir o conforto da família – são três filhos, 12 netos e duas bisnetas.

Em dois galpões de madeira onde guarda dois caminhões e as embarcações, João Celso amontoa as redes para todos os tipos de pesca. Tem malhas para corvina, papa-terra, peixe-rei, e só as de tainha estão embarcadas à espera do rebojo - como o vento sul é apelidado pelos pescadores do Rio Grande. “Pela previsão, o tempo deve começar a virar a partir deste fim de semana, vai esfriar. E, pouco ou muito, algum peixe todo mundo sempre pega”, observa.

Nas vilas de entorno à Lagoa dos Patos, a temporada de pesca permanecerá aberta até o fim de maio para tainha, corvina, bagre e camarão. Durante o período de defeso, entre junho e setembro, pescadores recebem salário mínimo pelo seguro desemprego. Mas a exemplo dos colegas em vigília nas praias de Santa Catarina, o que querem mesmo é sentir a primeira onda de frio do outono e seguir mais uma corrida para o corso.


Foto Marco Santiago/ND
João Nelson deixou 20 redes fundeadas a noite inteira,e voltou com apenas cinco tainhas malhadas

Redes voltam vazias

As redes voltam do mar cada vez mais vazias um pouco também pelas condições climáticas adversas, ou seja, falta de vento sul e elevação da temperatura da água nos próprios estuários. O frio é o gatilho que aciona a corrida do corso. “Os cardumes sobem desde a bacia do prata em busca de águas mais quentes para desovar”, enfatiza o professor de ictologia João Vieira Sobrinho, 59, também da Furg, que desde 1978 estuda o comportamento de tainhas em fase juvenil na Lagoa dos Patos.

Tainha não é exclusiva do Brasil. As que criam também na bacia do prata, começam a corrida em busca de águas quentes para desovar em março, quando o esfriamento no Norte da Argentina e no Uruguai aciona o gatilho da migração em busca, também, de índices mais elevados de salinidade. Até o fim de julho, o ocorre a corrida do corso, quando os cardumes que saem dos estuários do Sul se juntam e, “formam espécie de trem”, como compara o professor Jorge Castello.

No mar, a grande maternidade das espécies Mugil liza e Mugil platanus é o litoral catarinense, onde a temperatura média da água é de 19 graus centígrados. “Ainda não sabemos os motivos, mas os cardumes que saem do Sul não chegam ao Paraná. As que ocorrem dali em diante, no Sudeste e até no Nordeste, são oriundas de outras populações, saem de estuários mais acima”, acrescenta Sobrinho.

Depois da desova, o alevino alcança 25 milímetros e fica de 30 a 50 dias no mar, onde se alimenta de plânctons e microalgas encrustradas em minúsculos grãos de areia. Em seguida e “por mistério da natureza”, como diz o pesquisador, são levados pelo vento e pelas correntes martítimas à costa, onde ocorre o pré-recrutamento de tainhotas com dois centímetros e meio à quebra-mar, em busca dos estuários.

Apesar das evidências científicas, o professor João Vieira também não despreza lendas que se espalham entre pescadores. Alguns dizem, por exemplo, que os ovos deixados na água salgada são devolvidos aos estuários na boca ou sob as escamas da própria matriz. “Eles têm os conhecimentos deles, e não podemos ignorar. Se dizem, devemos pesquisar”, afirma.

A volta à água salobra do ambiente lagunar ocorre entre 15 e 30 dias. Os peixes juvenis permanecem de cinco a seis anos até atingirem a fase de maturação sexual nos estuários. Lá se juntam às raras fêmeas que conseguem escapar das redes e, no ano seguinte, reiniciam mais um ciclo para escapar da morte.

Cautela é conselho de cientistas

Sem ferramentas para medir o que é capturado e a reserva de estoques, pesquisadores da Furg estão apreensivos quanto ao futuro da tainha no Sul do Brasil. E sugerem cautela. E questionam a liberação da pesca de espécie em extinção exatamente no período de desova. A tendência, de acordo com os pesquisadores e as redes de pescadores cada vez mais vazias, é o fim dos estoques em período que ainda é impossível precisar.

“Então, uma alternativa é não aumentar o número de licenças e esperar que haja bom senso econômico e ecológico”, ressalta Valéria Lemos, 30, orientada pelo professor João Vieira na tese de doutorado em oceanografia, na Furb, para desvendar o ciclo de vida da tainha. Uma ova, segundo cálculos de Valéria, representa 5% do valor total do peixe e despeja pelo menos 10 milhões de ovos no mar. Destes, apenas 1% vira alevinos, e nem todos completam o ciclo de retorno ao ambiente estuarino.

Na Lagoa dos Patos, onde a pesca artesanal é permitida até fim de maio, o rebojo não veio na primeira minguante do mês que deflagra a corrida da tainha no Sul do Brasil. As redes dos irmãos Moacir, 52, e Antônio Silva Santos, 59, mais uma vez voltaram vazias e eles ficaram sem fazer negócio no histórico cais do Mercado Público de Rio Grande. “Faz tempo que não pegamos, ela anda fugindo de nós”, diz Moacir, enquanto retira do bote “Leco”, de 8,60 metros, as 14 tainhas malhadas na mejuada depois de 12 horas de espera.

A rede de cercar, nem usamos. Não passou cardume a noite toda”, completou o irmão mais velho. Antes de zarparem em direção à Ilha dos Marinheiros, Moacir disse que ainda há esperança. “Até a segunda minguante de maio, se o rebojo vier, vai ter corrida da tainha”, prevê.

Pescadores artesanais à espera do vento sul

Nas comunidades do entorno da Lagoa dos Patos, pescadores artesanais esperam que o rebojo anunciado para este fim de semana não dê para trás. É com a força do vento sul que os cardumes saem ao mar em busca de salinidade e águas mais quentes para desovar, e viram presas fáceis.

Lá, eles podem pescar até o fim de maio, quando a lagoa entra em defeso geral. Em Santa Catarina, parelhas de praia que utilizam redes de arrasto e canoas a remo estão divididas e indecisas. As do Sul já estão com vigias e apetrechos a postos, à espera do mesmo rebojo e da passagem dos cardumes. “Temos documento do ministro da Pesca antecipando a safra para 1º de maio, e o próprio Ministério do Meio Ambiente já reconheceu”, garante o presidente da Federação das Associações de Pescadores de Santa Catarina, Pedro Guerreiro.

O presidente da Federação Catarinense dos Pescadores, Ivo Silva, orienta a esperar até dia 15. “A fiscalização vai atuar. Ainda bem que não tem peixe. Se o pessoal do arrasto cercar, os pescadores de caça de malha vão chiar. O conflito seria mais grave.”

Espécie com potencial econômico esgotado

O oceanógrafo Paulo Ricardo Schwingel, 51, do Grupo de Estudos Pesqueiros da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), descarta a extinção da espécie. Mas, faz a mesma recomendação que os colegas gaúchos para que a tainha não perca importância econômica por escassez de oferta: “É preciso ter cautela”, repete. A espécie ocupa a quarta posição na escala econômica no litoral brasileiro, atrás da lagosta, do camarão e do atum. Mesmo assim, não existe gestão do governo sobre o que é capturado nos mares e nas lagoas costeiras. “O governo não faz a parte dele, enquanto o esforço de pesca é cada vez maior”, critica.

Como o país utiliza a mesma legislação de 20 anos atrás, enquanto cada vez se gasta mais para produzir menos, sem tempo para recomposição dos cardumes, Schwingel reforça o alerta dos pesquisadores Jorge Castello e Paulo Vieira, da Furg (Fundação Universitária de Rio Grande). “É preciso reduzir o esforço e o excesso de pesca, pelos artesanais e pela indústria”, diz.

Segundo Paulo Schwingel, apesar da maior capacidade da indústria pesqueira, a falta de controle sobre o segmento artesanal é mais grave. “Não se sabe quantos pescadores são, nem a quantidade de redes e embarcações envolvidas. Não há como controlar esta produção”, diz. A pesca amadora e de lazer não escapa da analise do oceanógrafo. Afinal, no litoral gaúcho ou de Santa Catarina muita gente tem tarrafa ou uma redinha em casa. “É uma forma de subsistência também sem controle”, diz.

Otimista, o professor espera para este ano a criação do Comitê Permanente de Gestão Pesqueira, que deverá elaborar a estatística da tainha. Sem aquela defasagem entre a quantidade declarada aos ministérios da Pesca e do Meio Ambiente e ao Ministério de Comércio Exterior.

(Do ND - www.ndonline.com.br)

Um comentário:

Anônimo disse...

boa noite.

Pergunta de 1milhão de dólares: como é possivel comer salmão o ano todo e em todos os lugares do mundo ?

favor enviar resposta p/ esta bosta !!