sexta-feira, 1 de julho de 2011

"Vai dar tainha", no jornal

Foto Divulgação/Prefeitura do Rio Grande
Região onde se dá o encontro do mar com a Lagoa dos Patos, na Barra do Rio Grande, o berçário das tainhas
Série 'Vai dar tainha!' mostra a saída da Lagoa dos Patos
Prontas para a desova, as tainhas se lançam em uma aventura de mais de mil km, interrompida pela pesca
Os meses de maio, junho e julho são esperados com ansiedade pelos pescadores catarinenses, principalmente os artesanais. É quando o Estado recebe a ilustre visita dos cardumes de tainhas. Adultas e prontas para reprodução, estão no ponto para a captura. As redes podem ser o fim de uma jornada de quase mil quilômetros entre o estuário da Lagoa dos Patos, em Rio Grande (RS), até o Litoral Norte de Santa Catarina.
Assim que a temperatura das águas tranquilas da Lagoa dos Patos fica mais gelada começa a “corrida da tainha” – como é conhecida pelos pescadores. As tainhas adultas, prontas para desovarem, deixam o estuário em direção ao mar. Em grandes cardumes, seguem para o Norte. Esse comportamento de migração faz com que a espécie seja associada ao frio. Os pescadores acreditam que a passagem de uma frente fria vai trazer mais cardumes. Assim como muitas informações que cercam esta pescaria, ela não tem embasamento científico ainda. “Apesar de ainda não haver estudos que comprovem cientificamente esta observação, é possível que as frentes frias vindas do Sul, no outono e comecinho do inverno, favoreçam a migração dos cardumes”, comenta a oceanóloga e mestranda em oceanografia biológica na Furg (Universidade Federal de Rio Grande) Thaís Garbin de Araújo. É em Santa Catarina que a tainha desova. Os pequenos ovos e larvas do peixe são levados pelas correntes costeiras em direção ao Sul e, aos poucos, retornam ao estuário para iniciar um novo ciclo. “As larvas e os pequenos juvenis da tainha encontram no estuário águas abrigadas e mais seguras do que no mar. Também encontram alimentos em abundância, o que favorece seu crescimento. Quando as tainhas estão prontas para a desova saem do estuário em direção ao Norte, fechando o ciclo”, explicou a oceanóloga. Todo esse ciclo demora até três anos. Poluição ameaça o berçário Por ser um grande berçário das espécies, a qualidade da água do estuário e dos ambientes costeiros no seu entorno é fundamental para a saúde dos animais. Um ambiente poluído afeta os peixes e outros organismos, principalmente na fase juvenil, por causa da sua pouca capacidade de locomoção. A mortalidade pode diminuir os estoques pesqueiros. “O preocupante é que a maioria dos centros urbanos ao longo da Lagoa dos Patos não tem tratamento de esgotos adequados. A agricultura intensiva também pode ser fonte poluidora da lagoa, devido à lixiviação (processo de extração de substâncias de componentes sólidos por dissolução num líquido) pelas chuvas de nutrientes e pesticidas. Os efluentes industriais não-tratados também podem causar contaminações nos organismos por metais tóxicos”, enfatiza Thaís. Ela defende o estabelecimento de um planejo de manejo ambiental. Em longo prazo, outro problema ambiental poderá colocar em risco o estoque de tainha: o aquecimento global. Seus efeitos ainda são difíceis de prever, principalmente em pequena escala. Mas segundo a oceanóloga, é importante ter em mente que a alteração no clima altera de alguma forma a natureza. “Os organismos que ali vivem têm que se adaptar a essas situações, se não houver adaptação, podem correr o risco de não sobreviverem”, disse Thaís. Sobrevivência em risco Independentemente das questões ambientais, a tainha no Brasil é uma espécie sobre-explorada, ou seja, a captura é tão grande que coloca em risco o recurso. “É uma espécie que tem uma demanda para elaboração de um plano de gestão, a fim de evitar que a situação piore e coloque em risco a sobrevivência dos estoques pesqueiros”, avalia a pesquisadora. Algumas medidas estão sendo adotadas no Rio Grande do Sul como, por exemplo, a proibição a pesca de cerco da tainha na região costeira próximo ao canal de acesso ao estuário. Outra medida é uma instrução normativa que não permite a pesca nos meses de junho a setembro. Uma portaria do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) editada em 2008 propõe um ordenamento pesqueiro para tainha. “Essa portaria estabelece um tipo de defeso, que protege a primeira fase de saída da tainha para a migração reprodutiva (isso entre março e abril). O que é um detalhe importante, pois o peixe é capturado quando vai se reproduzir”, explicou a pesquisadora do setor de ordenamento pesqueiro do Cepsul (Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul), Daniela Occhialini. Oficialmente, a pesca da tainha começa em 15 de maio. De acordo com Daniela, o monitoramento do volume de tainha existente é complicado pela sua distribuição geográfica, pois o peixe se distribui pelas lagoas costeiras, como por exemplo, a baía Babitonga. “Esse peixe só fica no mar entre 45 a 60 dias por ano. Depois, ele se distribui pelas lagoas. Então é difícil monitorar um estoque que se distribui tanto na zona costeira”, enfatiza a pesquisadora do Cepsul. Porção que vem dos 'hermanos' Nem todas as tainhas que acabam nas redes são legítimas brasileiras. Muitas vêm dos estuários do rio da Prata, no Uruguai e na Argentina. O Grupo de Estudos Pesqueiros da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) está fazendo coleta de exemplares para fazer um estudo genético dessa tainha. Os pesquisadores acreditam que as grandes capturas feitas em 2007 estão associadas a essa migração das tainhas dos “hermanos”. “Por que isso não ocorre todos os anos? Acredito que esteja associado às baixas temperaturas. Períodos de baixas temperaturas no rio da Prata fazem com que a migração seja mais efetiva”, afirmou o pesquisador e coordenador do Grupo de Estudos Pesqueiros Paulo Ricardo Schwingel. SAIBA MAIS - Vida de tainha: a reprodução e o controle Como é a migração As tainhas saem do estuário da Lagoa dos Patos e sobem em direção ao Norte, até o litoral do Espírito Santo. para migrar novamente. Reprodução Elas desovam no mar. As correntes continentais levam os ovos e larvas de volta ao sul do Rio Grande do Sul. As larvas, que medem em torno de 30 mm, se abrigam na Lagoa dos Patos durante o crescimento. Em dois ou três anos, estão prontas para migrar novamente. Para conservar o estoque Controlar o esforço de pesca sobre a tainha de forma conjunta entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina Estabelecer o número de pescadores e barcos que tem acesso ao recurso Diminuir o número de traineiras em operação sobre as épocas em que a tainha está desovando, pois as traineiras têm capacidade de captura muito superior à frota artesanal que pesca dentro do estuário da Lagoa dos Patos Evitar a pesca industrial costeira Permitir o uso somente de redes de malha acima de 45mm entre nós, permitindo que a espécie se reproduza pelo menos uma vez.
Esta é a segunda matéria de uma série de excelentes reportagens que o jornal Notícias do Dia está publicando diàriamente - Veja também no www.ndonline.com.br

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