sexta-feira, 11 de agosto de 2017

NO REMO, NAS ILHAS

Canoas usadas na viagem na comunidade de Barbados, no Paraná 
Foto Nicole Lopes 

Caravana de canoas roda 200 km para ajudar comunidades no litoral do PR 

AMANDA AUDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM GUARAQUEÇABA (PR)

Sete canoas caiçaras e seus canoeiros atracam na minúscula Ilha do Benito, no Paraná, onde há apenas três casas e nenhum morador oficial.

O grupo de 30 pessoas, com integrantes de diversos Estados, deixou o conforto de cama, energia elétrica e banheiro de suas casas para viver uma imersão na cultura caiçara no litoral paranaense.

"Quer dizer que vocês saíram das suas cidades pra viajar de canoa e vir pra esse fim de mundo?", questiona Dalésia Lima, 57, que nasceu na ilha (a única família do local) e agora dorme lá duas vezes por semana para pescar junto com seu marido. "Eu acho muito bonito isso."

Dalésia recebe os participantes da caravana que há 17 anos leva doações e oficinas educativas para as comunidades da região.

O trajeto de 200 km percorridos a remo em 15 dias passa por comunidades tradicionais, como a da Ilha do Benito, e aldeias indígenas praticamente isoladas na baía de Guaraqueçaba, a 160 km de Curitiba, em uma espécie de turismo de cunho social.

A rotina é puxada. O grupo acorda ao amanhecer, faz trabalhos nas comunidades durante o dia –como ajudar na construção de casa de rezas em uma aldeia– e rema as canoas em trechos que chegam a 30 km. As refeições são preparadas no fogareiro ou em fogueiras.

Sem nenhuma estrutura, os turistas aprendem a se virar. Pegam ostras vivas na falta de comida, passam lama no corpo para aliviar as picadas de insetos e improvisam estruturas para estancar o frio do inverno paranaense.

Nem todos conseguem completar os 15 dias. Dos 30 que participaram da última edição, na segunda quinzena de julho, quatro voltaram para casa mais cedo. A reportagem acompanhou uma parte do trajeto.

"É uma proposta pra gente se despir um pouco daquilo que a gente pensa que sabe", afirma Márcia Regina, 46, professora de socioeconomia e saberes locais da UFPR (Universidade Federal do Paraná), uma das participantes.

"Estivemos numa escola a céu aberto, em que o conhecimento está com as pessoas da comunidade. É só você entrar, sentar e tomar um café" diz Leo Cardoso, 30, músico de Ourinhos (interior paulista) que esteve na última viagem.

A iniciativa do projeto é de um morador da região, Renato Siqueira, 46, que viu na viagem de canoa um meio de promover o turismo local e ajudar as comunidades.

O custo de R$ 450 por pessoa engloba gastos com alimentação, combustível de um barco de apoio e parte das doações às comunidades. O barco que acompanha as canoas leva bagagens e doações –na última caravana, foram levados alimentos, roupas, brinquedos e eletrodomésticos.

Qualquer pessoa pode participar, mesmo sem tanto preparo físico –cada canoa é compartilhada por três ou quatro tripulantes, que se revezam nas remadas. Mas os candidatos devem apresentar um projeto de oficina ou benfeitoria para ajudar as comunidades. A faixa etária vai dos 20 anos aos 60 anos.

DIFICULDADES

Os moradores das comunidades têm dificuldade de acesso aos serviços públicos.

O posto de saúde mais próximo, em Guaraqueçaba, chega a demorar três horas de barco. Algumas escolas foram totalmente destruídas por causa de uma tempestade em junho e estão sem aula. Não há esgoto encanado, e alguns locais ficam dias sem água.

Arlindo Martins, 76, morador de Taquanduva, comunidade com 13 famílias, perdeu uma das pernas, mas nem sabe explicar direito a razão. "Já levei picada de cobra coral, de aranha armadeira, ferroada de arraia e enxadada no pé."

Os sintomas dão a entender que se tratava de uma trombose, mas ninguém deu diagnóstico. Hoje em uma cadeira de rodas, ele não consegue viajar para uma consulta e assiste à outra perna inchar. "Eu choro toda noite", diz.

Além das comunidades caiçaras, os canoeiros passam pela aldeia Kuaray Guatá Porã, da etnia Guarani.

O pequeno Poty, 5, se prepara para ser o novo cacique da aldeia, enquanto brinca com outras crianças, os únicos que fazem barulho no local. Sob o céu limpo típico de um lugar sem energia elétrica, o pajé da aldeia pede energia para a lua e sopra do seu cachimbo no topo da cabeça dos visitantes.

Durante a bênção, a documentarista Antônia Moura, 36, de Paraty (RJ), pede ao pajé para abençoar a sua câmera fotográfica também. "Na câmera, não", respondeu, seco.


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