quinta-feira, 6 de outubro de 2016

MENOS BALEIAS

Pertinho do público: baleias deram espetáculo na praia de Gamboa, em Garopaba, no mês passado
Foto Leo Munhoz / Agencia RBS


Número de baleias-francas no litoral de Santa Catarina é quase 40% menor neste ano do que em 2015 
Especialistas apontam questões ambientais da região que vão além da influência do El Niño como causa para a redução

por Erich Casagrande

Ao final da tarde, na Praia de Gamboa, em Garopaba, duas baleias-francas e seus filhotes encantavam quem olhava para o mar. As ondas, assim que baixavam, expunham os corpos dos animais, que soltavam o ar dos pulmões numa respiração reverberante. Aos poucos, as baleias ficavam ainda mais à vontade e um dos filhotes ensaiou saltos e batidas de cauda sobre a água. 

Mas a cena que apaixona turistas, presenciada pela reportagem do DC em setembro, tem sido cada vez mais rara no litoral de Santa Catarina. Pelas enseadas do Sul do Estado, por onde circulavam 194 exemplares da espécie há 10 anos, apenas 36 nadaram em 2016.

– É lindo demais. Não sabia que dava para ouvir até a respiração delas. É fantástico. Pena que dizem que estão vindo cada vez menos – lamenta Flávia Macedo, que viajou com a família de Naviraí (MS) para observar as baleias.
Enquanto é debatido nos tribunais a implantação do turismo embarcado para a observação de baleias – processo que se arrasta e gera debates que envolvem organizações de proteção ambiental –, o número de baleias-francas cai drasticamente e coloca em alerta o único berçário do animal no Brasil. 

O Projeto Baleia Franca argumenta que efeitos do clima influenciaram a disponibilidade de alimentos no Atlântico Sul e, por consequência, o comportamento do animal. A bióloga e diretora de pesquisa do projeto em Imbituba Karina Groch ressalta que a alteração na quantidade de comida disponível durante o verão nas águas próximas à Antártica – por influência do 
El Niño, que gerou aquecimento das águas – é o principal fator para o afastamento dos animais.

Expectativa era de voltar à normalidade

Já o Instituto Sea Shepherd, ONG internacional que atua no Estado, faz diversas críticas à condução da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca – que abrange desde o sul da Ilha de Santa Catarina a Balneário Rincão –, dando como exemplo casos em que os animais ficam presos a redes de pesca onde é o berçário deles, e o alto fluxo de embarcações na área que, segundo a organização, teriam contribuído para afastar o animal do ambiente natural.

– Nós estamos com receio de que as baleias abandonem esse espaço, como aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro – critica Luiz Faraoni, coordenador de ações do Sea Shepherd em SC.
Foto Leo Munhoz / Agencia RBS

A temporada de baleias-francas no litoral catarinense ocorre todos os anos entre agosto e primeira quinzena de novembro. Ainda em agosto, a bióloga Karina Groch afirmou que em 2016 o número de animais voltaria a crescer, com a redução do efeito do El Niño – que teve seu pico em 2015. Mas a observação, realizada por voo no dia 15 de setembro, período em que normalmente mais animais são avistados, apontou 22 baleias a menos do que em 2015, o que indicaria, acredita Karina, que a situação levará mais tempo para se normalizar:

– Esse efeito do El Niño está passando ainda. Como o ciclo de reprodução da baleia é de três anos, os reflexos dessas anomalias climáticas podem ser percebidos por mais tempo. Até seis anos, segundo nossas pesquisas.
Foto Leo Munhoz / Agencia RBS

Plano de manejo é urgente para proteger a área

Para o biólogo Luiz Augusto Farnettani, a queda não tem como única causa os fenômenos climáticos.

– As baleias são muito influenciadas e vítimas do aquecimento global, que muda a disponibilidade de alimentos. Mas aqui em SC temos sérios agravantes. Um deles é a ampliação do Porto de Imbituba e o fluxo de embarcações, que geram muito ruído sonoro.

Segundo Farnettani, esse incômodo é muito grave porque o som reverbera nos costões e atrapalha comunicação, educação e alimentação do filhote pela mãe.

– Este momento para elas é extremamente delicado. Qualquer dia sem alimentação do filhote ou com alimentação incompleta vai resultar em menos quantidade de energia para o retorno à Antártica. Quando elas são incomodadas por barulhos, esse processo entre mãe e filhote muda e ela gasta energia para protegê-lo – destaca o biólogo.

Mas o gestor da APA da Baleia Franca, Cecil Barros, justifica que a queda no número de animais nos dois últimos anos não tem relação científica com a movimentação de embarcações.

Os argumentos se baseiam no artigo publicado pela Revista Nature em junho de 2016, defendendo que o ¿sucesso reprodutivo da baleia-franca depende da disponibilidade de krill [principal alimento do animal] e clima¿. De forma geral, a baleia-franca se alimenta durante o verão nas águas do Atlântico Sul, acasala e ganha filhotes após um ano de gestação nas enseadas protegidas com águas mais quentes entre SC e Argentina. 

O Porto de Imbituba, por sua vez, informa que desenvolve anualmente, entre julho e novembro, um programa de pesquisa e monitoramento na área do porto e adjacências para planejar ações que minimizem os impactos da atividade.

Cecil Barros reconhece que é preciso contemplar, em um plano de manejo da área, rotas e velocidades para embarcações. O que existe hoje é um aviso aos navegantes de que devem ter cautela entre julho e novembro:

– Reconhecemos que é necessário e vamos propor isso dentro das normas da Marinha. Esse plano de manejo deve estar concluído em dezembro de 2017.

(Do www.clicrbs.com.br)

Nenhum comentário: