segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

MAR DE POETA


trecho inicial de
O NAVEGANTE / THE SEAFARER

Quero cantar eu mesmo minha vera versão
versar várias viagens, de como dias
duros, árduos tristezas enfrentei
amargas angústias suportei a sós,
moradas de mágoa provei na popa
as torres terríveis das ondas onde
a nervosa noturna vigília me levava até a proa
roçando os recifes. Algemado pelo gelo,
os pés presos pelos ferros do frio
enquanto o sofrer suspirava quente em volta do peito
fome feroz dilacerava por dentro o coração
marexausto. Disso nada sabe
quem se distrai nas cidades quem nunca deixou terra firme
como eu (cansado e miserável) no mar glacial
um inverno vivi pelas trilhas-do-exílio
privado de minha tribo [ ]
suspenso sobre sincelos; granizo voava no vento
Lá eu nada ouvia salvo o mar rugindo,
estrondo de onda gelada. Às vezes só a canção do cisne
me divertia; ruídos de mergulhão
cantos de maçarico em vez de riso humano,
gritos de gaivotas eram meu hidromel.
Tempestades espancavam penhascos, as andorinhas respondiam
(suas asas geladas) sempre ao grito da águia
(geada: suas asas). Nenhum parente aqui
pra proteger e consolar minha alma miserável.
Pois os que aproveitam os prazeres da vida
no conforto das vilas de suas vidas vazias
vaidosos e alegres de vinho mal adivinham
que cansaço suportei na senda do oceano.
Névoa da noite enegrecia, vinha neve do norte,
gelo engolia a gleba, granizo algemava a terra toda,
tão gélidos grãos. Pois meu peito agora se agita,
provoca meu pensamento, quer que eu me lance
nessas ondas imensas tumulto das cristas-de-sal—
meu desejo sopra sempre o espírito pra frente
me quer desterrado, longe daqui
errando atrás de terras estranhas—
[ . . . ]
***


(Anônimo, verso aliterativo anglo-saxão, 960 d.C)
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes, em "O Navegante" (Editora Lamparina, 2004)










Nenhum comentário: