segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A LÍNGUA DA PESCA

Mestranda da UFSC estuda a ação dos golfinhos - também chamados botos pelos pescadores 
Foto: Carolina Bezamat / Divulgação

Golfinhos de Laguna têm gíria própria para pescar com humanos, diz pesquisa

Animais emitem um assobio específico antes de levar cardumes até a rede e receber o prêmio

Carolina Dantas
carolina.dantas@diario.com.br

A relação entre os golfinhos e pescadores de Laguna, no Sul de Santa Catarina, é comprovadamente única. Naquela região, os animais ajudam os seres humanos a pescar e, para se comunicar, criaram o próprio dialeto. 

Uma gíria entre os golfinhos, em formato de assobio, avisa quando começa o trabalho. A descoberta é resultado de uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A parceria funciona assim: os golfinhos cercam o cardume e os pescadores arrebanham as tainhas com a rede. Uma parte dos peixes acaba dispersa para que os ajudantes também possam comer. 

Foto: Ronaldo Amboni / Divulgação


Esse tipo de relação é chamada de cooperação. Os registros informais, descritos pela população da região, datam que a amizade entre pescadores e golfinhos existe há mais de um século. 
A responsável pelas análises dos sons emitidos pelos animais durante a pesca é a mestranda Bianca Romeu, 28 anos. Ela recebe a orientação do professor Fábio Daura Jorge, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e coorientação de Paulo Simões Lopes da UFSC, o primeiro pesquisador a descrever a cooperação no final da década de 1980. 

Em meio a carcaças do laboratório de mamíferos aquáticos e o cheiro forte de formol, a estudante escuta as mais de 90 gravações de cinco minutos – mais de 7 horas – com sons da espécie Tursiops truncatus, os golfinhos de Laguna – algumas vezes chamados de botos.

Durante 2013, ela visitou a cidade pelo menos uma vez por semana para fazer as gravações. Usou um hidrofone – microfone que pode ser colocado embaixo da água – que capta até 48 Megahertz (MHz) de frequência. O ouvido do ser humano consegue escutar até 20 MHz, em média. 

A pesquisadora entrou na água, próxima aos animais, e esperou eles se movimentarem para a pesca. Segundo ela, os golfinhos emitem assobios diferentes naquele exato momento, alguns perceptíveis para a audição humana. Uma espécie de gíria para a hora da pesca.

– O desafio é descobrir se é uma característica daquele grupo de golfinhos, ou se é uma característica desenvolvida por determinados indivíduos – explica Bianca.

Para resolver o dilema, com a ajuda da colega Carolina Bezamat, ela fotografa cada um dos golfinhos no momento em que saltam para fora da água. Os animais possuem marcas diferentes nas nadadeiras, o que facilita a identificação. 
No final da pesquisa, que será defendida em fevereiro de 2015, a jovem pesquisadora poderá definir uma característica única para aquela comunidade de golfinhos de Laguna – ou de alguns indíviduos dela. Fruto da interação com o ser humano. 
Foto: Ronaldo Amboni / Divulgação

Entenda mais sobre os sons emitos 

Da mesma família dos golfinhos, a delphinidae, as orcas também são animais que se comunicam na água. Cada uma delas emite um som diferente, que comprova a comunidade em que vivem. Ou seja, o grupo de orcas localizado próximo à costa de SC tem um assobio diferente do expressado por aquele que está no Canadá. Essa é uma das pistas de Bianca para fundamentar a pesquisa. Para os golfinhos, isso ainda não foi comprovado, apesar de já ter sido defendido por outros pesquisadores. Mas é sabido que eles podem expressar três tipos de sons.
Ecolocalização: mesma tática do morcego. Os golfinhos emitem um barulho para navegar sem esbarrar em obstáculos e saber onde estão os peixes.

Assobios: utilizam para passar informações.
Gritos: A ciência não descreveu exatamente por qual motivo eles fazem esse tipo de barulho. Se parece com uma porta rangendo. Algumas pesquisas apontam para o momento da alimentação, mas ainda não há comprovação.

(Do DIÁRIO CATARINENSE - www.clicrbs.com.br)

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