quarta-feira, 29 de julho de 2015

CRIANDO ATRAVESSADORES!

Seu Lourival Ferreira (C), pescador desde criança, teme mudanças. Foto: Betina Humeres/Agência RBS

Pescadores artesanais de Sambaqui protestam contra proibição de venda direta dos pescados

Recomendação do Ministério Público de Santa Catarina visa à regulamentação da comercialização dos frutos do mar, que deve ser feita a partir de entrepostos
Grupo se reuniu na tarde desta terça-feira no Condomínio de Pescadores de SambaquiFoto: Betina Humeres / Agencia RBS

Gabriele Duarte

gabriele.duarte@horasc.com.br

Cerca de 70 pescadores de Sambaqui, Santo Antônio de Lisboa, Cacupé, Forte e Saco Grande deixaram de lado as redes e embarcações na tarde desta terça-feira, 28, para protestar contra recomendação do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) que proíbe a venda direta dos pescados. Os profissionais dizem que a proibição inviabiliza a pesca artesanal — modalidade pela qual a maioria dos pescadores da região, que envolve cerca de 100 trabalhadores direta e indiretamente, se encaixa. 


No momento da comercialização, pescadores terão de comprovar a origem do pescado por meio da emissão de uma nota de produtor, que se assemelha a uma nota fiscal, mas pode ser feita à mão. Também terão de vender os pescados somente a partir de entrepostos — espécie de consórcio que pode servir a uma ou mais peixarias.

O local é um intermediário entre consumidores e pescadores. Ali se higieniza e manipula o produto. Mesmo que sejam administrados por cooperativas, esses entrepostos poderiam ser construídos pelos pescadores, que alegam não terem dinheiro para isso.

O entreposto é parecido com um um frigorífico no rigor e apresenta câmaras frias, controle qualidade da água, monitoramento dos produtos químicos utilizados para desinfecção dos equipamentos, atestado de saúde dos funcionários, controle de pragas e análise laboratorial do produto. Tudo para garantir a qualidade do pescado comercializado. Por outro lado, dificulta a vida dos pescadores, segundo o presidente da Associação dos Pescadores do Sambaqui, Luciano Pires, o Tilica.

— Eles querem que a gente tenha esse selinho [selo de inspeção], mas não dão nenhum apoio para isso. Precisamos de uma unidade de beneficiamento para poder expandir — reclama.


Sem data fixa para cumprimento

A recomendação faz parte do Programa de Proteção Jurídico-Sanitária dos Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA), coordenado pelo MP-SC desde 1999. Segundo o próprio órgão, o objetivo é verificar se o beneficiamento e a comercialização estão seguindo as regras sanitárias e o Código de Defesa do Consumidor. Conforme a promotora do MP-SC, Sônia Maria Demeda Groisman Piardi, não há data fixa para cumprimento da determinação:

— O Ministério Público faz esse trabalho devido à omissão dos órgãos reguladores. Porque os pescadores nunca poderiam estar vendendo diretamente os pescados. Estamos colaborando para uma adequação, mesmo que tardia, que é possível porque há inúmeros entrepostos. Não queremos inviabilizar a pesca artesanal, mas aumentar a qualidade e aceitação — defende.

Nas mãos da Cidasc

Florianópolis ainda não dispõe de um Serviço de Inspeção Municipal, enquanto que no Estado o serviço é feito pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina. Segundo o gerente de inspeção de produtos de origem animal da Cidasc, Sérgio Silva Borges, o órgão estadual vem dando oportunidade àspeixarias se transformarem em entrepostos com controle do Estado, enquanto o município cria seu próprio serviço de inspeção. 

— A comercialização direta de produtor para comércio nunca pôde, desde 1950, porque aí nem precisariam existir os órgãos controladores. Em nível de pescador artesanal, eles terão a oportunidade de vender para onde sempre venderam, que são as peixarias, de uma maneira legalizada, através de um selo de inspeção provisório até o dia 28 de fevereiro de 2016, quando irão migrar para serviço municipal — explica o gerente em entrevista à rádio CBN Diário.

Se comprar direto, é por conta e risco

Na prática, a promotora orienta que quem quiser comprar diretamente o pescado, entre consumidores e restaurantes, deverá arcar por conta e risco. Isso vale para quem comprar o peixe na beira da praia, após um arrasto, por exemplo.

— É o mesmo que você comprar um bolo em uma confeitaria sem alvará de funcionamento. Fica a seu critério. O que queremos é que a comercialização do pescado tenha o mesmo rigor que a do gado. No caso dos restaurantes, também vamos iniciar uma fiscalização, com a Vigilância Sanitária, para conhecer a origem dos produtos de origem animal adquiridos — diz a doutora Sônia. 
Sem condições

— Não teremos para quem vender, porque não temos condições de criar uma empresa. Estamos vendendo um pingado de ostras para pagar as contas de luz — argumenta o Tilica, que lidera o movimento dos pescadores. 
De acordo com a Associação dos Pescadores do Sambaqui, atualmente 20% da pesca é encaminhada aos restaurantes da região e, o restante, às peixarias. Se aumentar o cerco à fiscalização, seu Lourival Ferreira, 73, não saberá o que fazer. 

— Pesco desde criança. A cada ano que passa, é algo novo que quer acabar com a pesca artesanal. Não sei para onde vou correr se isso for para frente — lamenta.

(Do HORA DE SANTA CATARINA - www.clicrbs.com.br)

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