domingo, 31 de maio de 2015

MEMÓRIA DAS ÁGUAS


MEMÓRIA DA PESCA DE ARRASTÃO

por José Luiz Sardá

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Na pesca de arrastão cada camarada tinha uma função. Tinha os que recolhiam as centenas de braças das peças do cabo, outros para segurar o pano da rede e desembaraçar parte das malhas que se prendia em qualquer objeto ou num siri entrelaçado nas malhas e os demais na tarefa de puxar a rede.

Na pesca da tainha, o vigia tinha de ser um pescador com boa visão e experiência. Sua missão, avistar o cardume e observar a mudança de coloração d’água de vermelho escuro ou roxo e o saltar alto dos peixes. Com um chapéu ou casaco na mão, quando avistava o cardume saia correndo e abanando, avisando os camaradas para lançar a rede ao mar. Aflitos, esperavam a ordem do patrão para iniciar o arrastão. Ao sinal do patrão, o camarada mais rápido corre e segura o calão e então com as primeiras remadas a rede é lançada ao mar, descrevendo um semicírculo. Na canoa bordada o patrão, quatro remadores e o chumbeiro. O patrão experiente na cadência soltava a rede ao mar e equilíbrio na embarcação, chegando na outra ponta para então iniciar o arrastão.

Em passo cadenciado, tórax jogado para trás, tendo a cintura envolta num laço de corda e a puxadeira, os camaradas vão e voltam centenas de vezes, sempre na mesma direção do mar para a terra e vice-versa, trazendo consigo, em cada trajeto, mais um pedaço da enorme e pesada rede que se aproxima lentamente. A bóia central, o arco de cortiça que se formava sobre as ondas, indicava sua posição. Ninguém se queixava, pois era o ganha-pão de dezenas de famílias de pescadores.

Terminado o arrastão, felizes faziam à partilha. A metade do pescado ficava para o dono da rede, a outra para os pescadores. O proeiro tinha direito a quatro quinhões, o patrão ganhava três, o remador dois e os camaradas ganhavam um. Se depois do lanço, o patrão resolvesse repetir outro cerco, sempre estavam prontos para ajudar, pois sempre havia esperança de um lanço melhor. Naquela época a fartura era tanta que ninguém voltava para casa de mãos vazias. Os donos das redes sempre davam tainhas para os amigos e parentes dos pescadores.

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