terça-feira, 1 de setembro de 2009

Pânico da ostra

Diretamente dos mares curitibanos, contemplando os mares da ilha à distância e do alto do planalto, o cronista Dante Mendonça manda abrir as ostras e nos serve esta deliciosa iguaria, também públicada na edição de hoje da "Tribuna" e do "Estado do Paraná".
"Primeiro de setembro é o dia mundial da ostra. No calendário da degustação, setembro é o mês (com R) que inaugura a temporada que vai até abril do ano que vem. Nos meses de maio, junho, julho e agosto (sem R), diz a sabedoria popular que a colheita e o consumo de ostras não têm a bênção de Netuno, nem mesmo de Iemanjá. O conselho só vale só para o tempo de frio europeu, que melhor conserva os alimentos. Em nosso hemisfério sul, vale o contrário. Mesmo assim, o ditame vem de séculos e ainda é observado por muitos apóstolos da ostra crua com champanhe.Bem a propósito, parece que este céu, este sol, este mar estão assim azuis para saudar a safra dos meses sem R. No entanto, também a propósito, a ostra já foi vítima do pânico semelhante ao que ocorre atualmente com os suínos. Hoje, a “Gripe suína”; antes o “Pânico da ostra”.No Século XIX, periodicamente o cólera atacava cidades no mundo. A morte ocorria em poucos dias e os índices de óbito chegavam a 90% das vítimas. Aterrorizada, a população não sabia como fugir da força assassina. No excelente livro “A Grande Ostra”, do escritor Mark Kurlansky, os principais suspeitos pela peste eram muitos: os estrangeiros, a pobreza, os cortiços, o alcoolismo e o estilo de vida imoral dos nova-iorquinos. Não se achava que os pobres fossem as vítimas da doença, mas os causadores. A Aids não foi a primeira epidemia a estigmatizar o portador. Em Nova York, as vítimas do cólera, febre amarela e tifo eram humilhadas. Quando a peste começou a atacar os cidadãos respeitáveis, só então a classe dominante começou a enxergar o óbvio: a miséria urbana.Agora o suspeito é porco, na Nova York de 1854 a coitada da ostra foi a culpada. Já que não podiam culpar a sujeira dos cortiços e a degradação das águas, talvez a causa fossem as ostras. E assim começou o “Pânico da ostra”.De Nova York (registra o autor do best seller “Bacalhau, a história do peixe que mudou o mundo”), saía a metade das ostras consumidas no mundo. Até o início de 1900, as abundantes ostras tinham um papel importantíssimo na Costa Leste, sendo o produto de exportação mais famoso e o alimento básico dos ricos e pobres: “Havia barracas por toda a cidade, tão comuns como são hoje as carrocinhas de cachorro-quente”. Não havia no mundo ostras melhores do que as nova-iorquinas, muitas eram maiores que um sapato. Uma ostra, um generoso bife.Além de custar pouco (um ensopado delas, 10 centavos), as ostras desempenhavam papel fundamental contra a poluição dos congestionados canais, pois o molusco faz o milagre da limpeza natural das águas.Em 1839, para combater a “Gripe das ostras”, o prefeito de Nova York aplicou com rigor a lei sobre os meses sem a letra R. Assim, proibia-se a venda de ostras nos meses que iam de maio a setembro. Só que os habitantes tinham humor dos mais apurados: começaram a chamar agosto de “argosto”. Em um artigo, o “New York Times” dizia que os infaustos italianos não podiam comer ostras em janeiro porque na língua deles esse mês não tem R, é “Gennaio”. Por outro lado, os árabes do deserto poderiam comê-las em determinados meses islâmicos que têm R, enquanto no mês correspondente dos cristãos, faltaria o benevolente R. O “New York Times” considerava Júlio César um gênio, ao criar o ano bissexto apenas para acrescentar mais um dia com ostras em fevereiro: “Foi pensando principalmente nas ostras que Júlio César reformou o calendário romano. Ele descobriu que o almanaque chamava de verão o que ocorria no final de outono, então, nos meses em que as ostras seriam igualmente desejadas, não havia R. Por isso, colocou os meses com R no auge do verão e possibilitou aos romanos degustarem ostras logo no primeiro de setembro”.
Abra o livro de Mark Kurlansky, um champanhe, três dúzias de ostras, e tenha um bom dia de sol! "
DANTE MENDONÇA

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